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1ª edição, Aveiro, Edição do Clube dos Galitos, 1960, páginas 13 a 18.


O "Galito" – um precursor!

Órgão oficioso do Clube, o primeiro número do magnífico semanário apareceu em 15 de Outubro de 1905

 

Nos babélicos dias que atravessamos, quase todos os grandes clubes desportivos e outros cenáculos, de maior ou menor importância, sonham com um órgão jornalístico privativo, espécie de tribuna donde possam livremente expor razões, encarecer iniciativas, exaltar cometimentos.

Inúmeras colectividades já corporizaram a legítima aspiração. Nestes derradeiros anos, diversas publicações mais ou menos arco-irisadas, de «mui e desvairados formatos», saltaram dos prelos até à vista déls massas associativas. E tantas surdiram e continuam a surdir que, daqui a nada, o uso fará regra, mas regra com raríssimas excepções...

Antigamente não sucedia assim. Só lá de quando em vez, grémios de eleição editavam publicações periódicas ou «número único» comemorando fasto transcendente...

Posto semelhante exórdio, temos «O Galito», aparecido em 1905, há portanto meio século com o contrapeso de um lustro, como pertencendo ao rol dos precursores. Essa, indubitavelmente, insofismavelmente, a sua glória.

Poderá obtemperar-se, é exacto, que o bem emplumado «Galito» – e falamos de tal guisa por dispor de penas brilhantes e dadas a generosas ideias – não era órgão oficial do Clube. Com efeito, nos dois primeiros números, ele próprio afirma, em lugar de destaque e de modo categórico, que «não é órgão oficial do Clube dos Galitos, mas tão somente da iniciativa particular de alguns sócios daquela agremiação». Mas, embora sem possuir essa qualidade, não deixava de ser, rigorosamente, o seu porta-voz oficioso.

Principiando a « cantar» em 15 de Outubro de 1905, tinha / 14 / respectivamente como Director, Redactor, Editor e Administrador, F. Encarnação, Alfredo Gaspar, Ernesto António de Freitas e F. F.. Ora, Francisco Ferreira da Encarnação, Alfredo Gaspar de Oliveira e Francisco Maria dos Santos Freire (a quem dizem respeito aquelas iniciais F. F.) pertenciam à Comissão Instaladora do Clube... Também José de Pinho, outro membro do mesmo corpo administrativo, aparece sintomaticamente a colaborar no terceiro número...

O problema foi, de resto, convenientemente ventilado na altura própria e por quem de direito, como consta do inestimável «Relatório da Comissão Instaladora», datado de 31 de de Dezembro de 1905. Ali se declara, a páginas 20, ser «certo que todas as associações, e muito especialmente as que, como o Clube dos Galitos, têm em vista não só o desenvolvimento físico e intelectual dos seus associados, mas também a realização oportuna de festas e diversões de que resultem interesses comerciais, carecem, em determinados momentos, da valiosa coadjuvação da imprensa». Em suma, razões momentâneas terão obstado a que o «Galito» fosse órgão oficial do Clube, sem todavia impedirem, acentuamos, que redundasse num autêntico órgão oficioso.

A premência da entrega destas linhas não permite que deitemos a livraria abaixo, averiguando, por exemplo, quando terminou a carreira de um dos cem periódicos – conta redonda... – que viram até hoje a luz da publicidade no berço de Homem Cristo. Ainda lançámos mão, numa última esperança, do valioso «Arquivo do Distrito de Aveiro». Mas António Zagalo dos Santos, autor de um estudo sobre a «Imprensa Periódica do Distrito», limita-se a escrever: «O Galito – Jornal que apareceu em 1905, impresso nas Oficinas do Campeão das Províncias, sob a direcção de F. Encarnação, sendo seu redactor Alfredo Gaspar e redactor literário o Sr. Alberto Souto Ratola. Redacção e Adm. no Largo do Espírito Santo. Ed. Ernesto António de Freitas». Quer dizer, além de não matar a sede da nossa dúvida, ainda peca por imprecisão. Na verdade, o sr. dr. Alberto Souto começou a figurar no cabeçalho do semanário e a dar-lhe colaboração a partir do / 15 /


A primeira página do n.º 1.
 

/ 16 / segundo número. Também, num outro exemplar que temos presente, o n.º 31, de 12 de Maio de 1906, a equipa do «Galito» já ostenta profundas modificações... Três nomes apenas a constituem: Francisco Ferreira da Encarnação, Director; João J. Gonçalves, Redactor e Editor; e Pompílio Souto Ratola, Administrador.

A história do semanário continua, como é óbvio, por fazer. Tentaremos redigi-la noutra emergência, com os vagares que merece e exige...

Ao escrevermos, linhas atrás, que o semanário contava com esmerada colaboração e tinha no seu ideário pensamentos generosos, não exageramos. Podemos afirmar mesmo que o jornal fazia jornalismo – passe o paradoxo –, numa época em que tantas folhas locais se assemelhavam a urtigal com uma ou outra rara bonina aguada a luzir encantos. Crónicas primorosas – Joaquim de Melo Freitas iniciou também a sua colaboração no segundo número –, comentários apropositados e justos, um noticiário abundante, primando pela clareza, fluíam nas colunas, nas artérias do «Galito», tornando-o periódico vivo e ginasticado, grato no paladar de exigente leitor...

E, se tal não bondasse, a sua cooperação em múltiplas iniciativas, tendentes a dinamizar a vida citadina, trouxe-lhe um halo de prestígio. . .

Ao encetar caminho, no editorial apresentou, sem meias tintas, um programa. Era, então, na imprensa, correntio e bonito... Desse programa, cumpre-nos extractar algumas passagens. A história do «Galito» ficará menos incompleta e a curiosidade dos nossos possíveis leitores mais saciada. Ouçamos...

«Nasceu – começa por frisar – do desejo que temos de engrandecer e ver elevar a nossa terra, de prestarmos algum serviço ao nosso povo, de auxiliarmos os fracos e desprotegidos da sorte, de defendermos as vítimas inocentes e causas justas, de encorajarmos os nossos irmãos na luta da existência, de tornarmos a todos esse fardo menos denso, concorrendo para a prosperidade e / 17 / contentamento geral, espalhando com a alegria a resignação, impulsionando e coadjuvando distracções, divertimentos inocentes e úteis, como são os exercícios do sport e essas festas que nos dão vida, porque tornam menos duro, mais agradável e sereno o viver, porque nos dissipam tristezas, aliviam mágoas, e que, além de nos recrearem, educam e levantam moral, intelectual ou fisicamente.»

E mais abaixo:

            « Queremos a prosperidade da nossa querida Aveiro, e consequentemente a de todas as empresas e agremiações que para ela concorram, e ao seu progresso se votem. Dentre estas sobressai e impõe-se à nossa especialização o simpático Clube dos Galitos, que tem batido o record das iniciativas locais, que tanto se tem empenhado pelo engrandecimento da nossa cidade e que parece ter dado à sua população uma vida toda nova.»

Prosseguindo:

«Nascendo no trabalho, vivendo no seu meio, não podemos deixar de consagrar às classes venerabilíssimas que o exercem, a nossa actividade. O proletariado em convulsões de desespero na miséria, o povo laborioso numa situação social que não merece, o trabalho oprimido, os fracos em luta com os fortes, os grandes amesquinhando os pequenos, a razão, a moralidade, a justiça calcadas numa imprudência que revolta, estas anomalias sociais que nos repugnam e levam a erguer a débil voz num grito de protesto, terão também a nossa consideração.»

Prestes a concluir:

«O jornal que hoje fundamos não é destinado a instrumento particular, nem a satisfazer caprichos pessoais, nem a elevar nomes, nem a notabilizar as humildes pessoas dos seus fundadores, mas sim a honrar e elevar uma associação local, a ser um órgão popular, consagrado à utilidade geral; as suas colunas estão abertas a todas as causas justas, a todos os homens dignos,  / 18 / a todas as opiniões sensatas, a toda a iniciativa louvável, a todo o assunto de interesse local e público

E, o editorial, termina assim:

«Vamos marchar – progresso! Marcharemos, pois, porque também o mundo marcha e nós queremos seguir com ele

Lamentavelmente, que nada é eterno sob a rosa do sol, «O Galito», certa vez, deixou de «cantar» a vibrante e semanal mensagem. Suspendeu a marcha, enquanto o mundo, imperturbavelmente, prosseguia a sua eterna rota. Ficariam apenas os ecos nas fundas quebradas do Tempo. Esses ecos, afinal, chegam para o repor no museu da memória. No seu género, excedendo-o mesmo, foi, em Portugal, um precursor. E, se bem entendemos, a presente revista é como que um seu irmão merecido cinquenta e cinco anos mais tarde, escassíssimo segundo no transcurso das idades. Mas se discordarem, podemos chegar à conclusão de que «O Galito» revive um pouco na publicação de agora. O sangue é o mesmo...

João Sarabando


 

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