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Dirigimo-nos para a fábrica, onde éramos aguardados pelo nosso amigo e Sr. Silva. Depois dos cumprimentos e abraços da praxe, jantámos juntos na vivenda da mesmo fábrica.

A viagem, como foi longa, maçou-nos muito e o nosso desejo era repousar. Para esse efeito, o Sr. Silva já nos tinha arranjado acomodações no Hotel Marhaba, de Agadir. Depois de comermos e tomarmos um chazinho mouro confeccionado pelo cozinheiro árabe Omar, que muito gozou com a nossa apreciação pela aromática bebida, o gerente da fábrica manifestou desejos de nos mostrar uns diapositivos com vistas de Marrocos.

Embora fatigados, acedemos ao convite, ali ficando a admirar as diferentes paisagens que iam sendo focadas no pano previamente colocado para esse fim. Falavam-se e projectavam-se alguns passeios que daríamos nos dias seguintes para apreciar essas vistas ao natural, mas, devo confessar que, nesses momentos, sentia uma preocupação muito vaga, uma ansiedade estranha, qualquer coisa que me segredava que não chegaria a ver nada daquilo.

Tudo para mim se afigurava fantástico, dando a impressão de que algo iria acontecer. E tanto assim que me levantei do «maple» onde me encontrava e pus-me de pé, atrás do Sr. Carlos Grangeon, como que a afastar-me não sei bem de quê. Seria isto indício de qualquer percepção instintiva?

Ora, se o meu estranho pressentimento me fizesse lembrar o pormenor que nos fora relatado à tarde, quando do telefonema do Sr. Grangeon, talvez que saísse da vivenda. A angústia que me oprimia era indecifrável e eu atribuí-a ao cansaço provocado pela / 27 / viagem. Em seguida, seriam vinte e três horas e quarenta, o gerente da fábrica mandou acender a luz para carregar a máquina com novos diapositivos quando, subitamente, a luz se apagou e apercebemo-nos dum ronco medonho vindo das profundidades, a terra a tremer dum modo violentíssimo, à laia de «peneira», em sentido horizontal, ao mesmo tempo que ouvíamos as paredes a ranger, as louças e outros objectos a cair, tudo isto acompanhado dum sussurro tremendíssimo.

Dir-se-ia que enorme e hercúleo gigante, qual mitológico «Atlante», se entretinha a oscilar o Globo em todos os sentidos e que nós éramos joguetes de forças sobrenaturais e estranhas que nos impeliam a seu bel-prazer.

Unicamente indescritível tudo aquilo! – às 11,40 da noite de 29 de Fevereiro...

Logo que isto se deu, agarrei-me a uma das pernas do Sr. Carlos Grangeon e o gerente do fábrica agarrou-se-me às espáduas com tal violência que, quando saímos da vivenda pela porta mais próxima, sentia dores atrozes nos costas.

Foram quinze segundos infernais. Estes quinze segundos pareceram-me séculos e estávamos sempre a pensar quando éramos esmagados por alguma parede ou pelo tecto da casa, constituído todo ele por uma placa de cimento armado.

 

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