O número 13 da rua Afonso de Albuquerque, na Gafanha da Nazaré, é uma
casa comercial ligada ao ramo da electricidade. Na porta pode
ler-se o nome do proprietário: João Martins. Curioso é o que aparece
entre parênteses, logo a seguir ao nome: Violas. A alcunha, adquirida
por
confusão com o apelido dos irmãos (Viola), é sem dúvida a imagem de
marca da Casa Violas, nome pelo qual é conhecido o antigo guarda-redes
do
Beira Mar. Com 63 anos cheios de fulgor e de vida, João Martins não
esconde que o clube beira-marense lhe foi de extrema utilidade, quando
pensou em estabelecer-se por conta própria. Hoje, o seu tempo é dividido entre
o gosto pela pesca, a paixão da caça e o convívio com os amigos. Fez
questão de
citar a neta, a Rossana, digna herdeira das suas qualidades desportivas
que, apesar dos seus parcos 12 anos, já demonstra uma queda para o
futebol.
|
Nasceu a 1 de Fevereiro de 1935 no Monte de Murtosa, mas cedo veio
habitar para a Gafanha da Nazaré, local de trabalho dos seus pais e
irmãos, nos estaleiros navais, onde ele próprio laborou até aos 14 anos.
Com essa idade vai para Estarreja, para um estabelecimento comercial,
onde começou a aprender um pouco de montagem de circuitos eléctricos.
Foi aos 16 anos que travou contacto com o Beira Mar, começando por
integrar as camadas juniores. Dotado de qualidades incomuns, chegou a fazer alguns jogos particulares pelos seniores, enquanto ainda
júnior, nomeadamente na célebre "Taça Amizade".
|
Violas: Campeão da II Divisão em 1960/61 |
Oficializado como sénior, passa a titular da equipa principal do Beira Mar, onde permanece
até à época de 1962/63, altura em que por motivos de saúde se vê obrigado
a uma paragem de dois anos.
Foram anos decisivos para João Martins; anos de reflexão e de mudança,
que o levam a tomar a resolução de abandonar o Beira Mar e de estabelecer-se como empresário.
Nunca se considerou um profissional do desporto, pois a sua vida privada
deixava-lhe pouco tempo livre para se dedicar por inteiro à alta
competição. No entanto, não pretendendo desligar-se completamente do
meio desportivo, Violas reaparece no Valonguense de Arrancada do Vouga (I Divisão
Distrital), para onde diz ter ido "brincar".
Na época de 1965/66, Anselmo Pisa, ex-treinador do Beira Mar e conhecedor
das características do atleta que já havia sido seu pupilo, arrasta-o
consigo para o Águeda, quando assume o comando técnico da equipa.
Depois disso, Violas fez quatro épocas pelo Ala Arriba e mais uma vez se
sagra campeão distrital, quando o clube de Mira subiu à III Divisão
Nacional em 1968/69.
A sua carreira mostra um rasto de vitórias que marcaram uma década de
glória no Beira Mar: subida à II Divisão Nacional (1958/59), vitória na
mesma divisão e subida à I Divisão, dois anos após, sendo ainda hoje o
guarda-redes menos batido da II Divisão
−
apenas oito
golos sofridos na célebre época de 1960/61.
As árvores morrem de pé
Vaidoso por natureza, gostava de ser aplaudido e de "fazer coisas bonitas", mas o seu amadorismo nunca foi
sinónimo de falta de empenho ou de desleixo e confessa ter chegado a
chorar, ao sofrer golos por culpa própria.
O seu último "campeonato"
−
que
jogou com mais de 45 anos
−
foi disputado entre amigos e colegas de profissão. «As árvores morrem de pé»
− nome dado a este
torneio
−
reuniu as velhas guardas que ainda tinham pernas para uma "peladinha",
como era o caso de Azevedo, Brandão, Garcia, Aguinaldo, Lemos ou
Evaristo.
Um olhar sobre o passado
Ora, bolas!
Violas conta:
QUANDO O GUARDA-REDES NÃO JOGA À DEFESA...
"Fui o primeiro jogador dos juniores do Beira Mar que era casado.
Quando fomos campeões, durante a entrega da Taça, recebi das mãos do
treinador, Mendaña, um fatinho completo para bebé, oferecido por toda a
equipa de juniores.
É que, quando casei, o garoto já vinha adiantado cinco meses"
FUTEBOL, A QUANTO OBRIGAS!
"Quando jogava na II Divisão nacional pelo Beira Mar,
ia da Gafanha da Nazaré para Aveiro de bicicleta, mesmo debaixo de chuva.
Certo dia, depois de um jogo em Chaves, chegámos a Aveiro perto das 4h
da madrugada e deparei com um furo na roda da minha bicicleta,
estacionada à porta do estádio.
Nenhum dos dirigentes se dignou dar-me uma boleia de carro e eu tive
que ir a pé para a Gafanha.
Era um bom treino mas, pelo menos, podiam ter-me pago estas horas
extraordinárias de «endurance».
CUIDADO, VIOLAS. CHEGOU O MARTINS
"A minha maior exibição foi num jogo contra o F. C.
do Porto, no qual, curiosamente, alinhei com o meu verdadeiro nome: Martins.
O jogo foi nas Antas e quando cheguei a Aveiro já havia comentários de
alguns ouvintes da rádio (os jogos ainda não eram transmitidos pela TV)
que, impressionados pelo discurso dos comentadores, me chegaram a dizer:
«Então, Violas; parece que finalmente o Beira Mar arranjou um
guarda-redes capaz de te fazer frente».
Ainda ganhei umas apostas às custas disso."
CAÇA AO FOTÓGRAFO
Só «perdi as estribeiras» num jogo contra o Académico do
Porto, no Estádio do Lima.
Durante um ataque do adversário, o jogador do Académico chocou contra mim, caímos os dois sem haver falta e a
bola ficou a pairar perto da entrada da área.
Na confusão ficámos desorientados, cada qual à procura da bola, quando
um fotógrafo, perto da linha lateral, resolveu indicar a posição do
esférico ao avançado.
Acabei por sofrer um golo por culpa desse «paparazzi» e fiquei fora de mim. Corri atrás do indivíduo, pelas bancadas acima,
e ai dele se o apanhava!»
|