EU
não me enganarei se disser que a alma dos bombeiros está no Evangelho.
O Evangelho é o
cântico de todos os heroísmos e de todas as audácias. Nele se guardam,
para a memória e a devoção dos séculos, o santo arrojo da Verónica, com
o seu linho branco de piedade, e as lágrimas doloridas de Maria
Madalena, esse pobre farrapito humano que não pediu licença a ninguém
para beijar os pés de Jesus e sobre eles estender a toalha dos seus
cabelos.
É certo que o
Evangelho não fala de corporações, nem de ambulâncias, nem de machados,
nem de agulhetas, nem de cabelos ao vento. Também não alude ao toque de
qualquer sereia quando o fogo, erguido da terra, devorou de pronto as
cidades de Sodoma e Gomorra.
O nome das coisas,
porém, pouco importa. O que importa é a sua alma. É ao ritmo dos nervos
e do sangue que se escalam as montanhas. Só por acaso não se tocam as
estrelas. Tem que vir de dentro a força para que se não parta a asa dos
nossos sonhos.
O amor, se não é
virtude, há-de acabar ali perto, ao primeiro amuo ou à mais leve
contrariedade.
Ora a vida dos homens
que hoje aqui se louvam, nestas felizes bodas de diamante da gloriosa
Associação Humanitária, é uma legenda heróica de grandezas. Podem alguns
nem sequer o suspeitar, mas neles existe uma alma a que eu chamo cristã.
Espanta-se a gente
diante da força que os leva na corrida? E admira-se do ímpeto que os não
deixa parar de medo, que até os faz sorrir dele? E comove-se quando o
seu coração ainda palpita por cima de todas as ruínas?
Espante-se e
admire-se e comova-se a gente com a virtude que lhes põe nos olhos esta
luz, e nos lábios esta febre, e no peito esta alma... — esta alma que
está no Evangelho.
É Jesus Cristo quem o
diz: — Tem a sua recompensa um copo de água fresca que se dá de beber a
quem é pequenino e pobre, mas vai sedento pelo caminho.
Quando o fogo queima
as casas ou as searas, o bombeiro-soldado desejaria que à roda de cada
pedra nascesse uma fonte. Desejaria até realizar o milagre de trazer ali
as ondas todas do oceano largo e profundo. Mas, porque não é de suas
mãos esta força, como era da vara de Moisés, ele sofre — e chora.
Lágrimas benditas que
apagam incêndios!
Por elas, nesta festa
de 75 anos, vos aplaudo e louvo e engrandeço, queridos amigos.
Aveiro, 1 de Janeiro
de 1957
PADRE M. CAETANO
FIDALGO |