CONTINUAMENTE se vêem nos jornais e em outros órgãos de
publicidade apelos à caridade alheia, pedidos de esmolas, de socorros,
subscrições a favor de homens, mulheres, crianças e colectividades,
convites para espectáculos, concertos ou chás de caridade, com bridge,
ou sem bridge, com canasta, ou sem canasta, com variedades, ou sem elas,
e, felizmente, esses apelos e pedidos são frequentemente atendidos,
essas subscrições recolhem bastantes dinheiro e esses convites são
aceites, dando ensejo a serem cobradas receitas mais ou menos
quantiosas.
E é tudo por bem.
Mas, infelizmente,
esse bem poucas vezes é devido a puro altruísmo.
Há quem o faça para
parecer bem; para ver o seu nome nos jornais, ou o seu retrato numa
parede de certa colectividade; para ganhar o céu — quem dá aos pobres
empresta a Deus —; para ir divertir-se, comendo, bebendo, dançando,
jogando, e gozando os variados espectáculos que se lhe proporcionam.
Há ainda, com
certeza, quem o faça por política, para conseguir partidários e votos —
um subsídio com dinheiro seu, ou do Estado, ou de um órgão
administrativo, para um sino duma igreja ou capela, para um marco
fontanário; para uma fonte, ou calçada.
E até há quem o faça
para simples satisfação da sua consciência, por impulsos da sua alma e
do seu coração.
Entre estes
beneficentes estão os bombeiros voluntários; e estão em primeiro lugar.
Porquê? Porque, mesmo
dentre os que fazem o bem pelo bem, poucos são os que dão, ou
sacrificam, aquilo de que precisam; em regra, dão ou sacrificam o que
lhes é supérfluo.
Os bombeiros arriscam
o seu sossego, o seu bem estar, a sua saúde e a sua própria vida — para
evitar prejuízos aos outros, para lhes evitar os males físicos, que
derivam das calamidades públicas, para salvar a saúde, a vida e até a
fazenda dos outros.
O que dão, o que
arriscam não é nada do que lhes é supérfluo e são dos poucos
beneficentes que seguem o preceito moral — faz o bem, não olhes a quem.
Bem poucos são os que
pensam que, de um momento para o outro, podem precisar do precioso
auxílio dos bombeiros, que, já desde longe, se não limitam a evitar e a
acudir aos incêndios, mas intervêm, com a sua valiosa acção, com todos
os seus dedicados e inteligentes esforços, em todas as outras
calamidades públicas.
Em regra, o egoísmo
tem tal força que, contando com o altruísmo alheio, nem deixa pensar
que de repente pode haver precisão de recorrer àqueles que estão sempre
prontos para socorrer o outros.
No entanto, os
bombeiros são daqueles altruístas que, aliás muito merecidamente, são
olhados e respeitados com admiração e reconhecimento.
Surge agora, ao
comemorar-se o 75.º aniversário — as bodas de diamante — da Associação
H. do Bombeiros Voluntários de. Aveiro, um motivo para que essa
admiração e reconhecimento lhes sejam manifestados por forma que comova
todos os corações e o sejam também a essa benemérita instituição que a
própria lei considera de utilidade pública, que já mereceu a comenda da
Ordem da Benemerência e que, pelo esforço dos seus componentes e pela
ajuda dos seus protectores, tem salvado tantas vidas, evitado e minorado
tantas dores, tem evitado e diminuído tantas perdas materiais, tem
evitado muitas lágrimas de dor e de saudade e tem feito derramar outras
de alegria e de gratidão.
Estou certo de que a
minha, a nossa cidade de Aveiro vai comemorar condignamente essas bodas
de diamante e a essa comemoração me associo com toda a alma, agradecendo
à Comissão Organizadora o amável e honroso convite que me dirigiu, para
colaborar neste 2.º número da «Humanitária».
Apreciei-o e
agradeço-o, tanto mais que sou devedor, à Associação H. dos Bombeiros
Voluntários de Aveiro de muitas atenções, designadamente como o mais
velho descendente actual do Homem que teve a bela iniciativa de promover
a fundação da Companhia.
Saudando-a nesta hora
solene, saúdo também a sua congénere aveirense, a Companhia Voluntária
de Salvação Pública «Guilherme Gomes Fernandes», e todos os componentes
das duas colectividades e de todas as outras idênticas, constituídas por
obreiros do bem, por aqueles que fazem o bem pelo bem.
Diz um provérbio
popular — depressa e bem há pouco quem.
Parafraseando-o, eu
digo — o bem pelo bem, há pouco quem. |