O Saber de Experiência Feito |
Teresa Mafalda e André |
"O Sal de Aveiro" ouviu Manuel Regala, dedicado aveirense, defensor
apaixonado da iluminação da nossa laguna pelas "pirâmides de Sal".
Manuel da Cruz Regala, 62 anos de idade, exerceu a profissão de marnoto
durante quase 20 anos, mais tarde superintende a comercialização de todo
o salgado aveirense na secção diferenciada do Grémio da Lavoura, é
actualmente coordenador dos" Serviços nas Salinas". Estes serviços têm
por objectivo estudar a reconversão do salgado de Aveiro.
S.A. – Qual a época de maior desenvolvimento do Salgado de Aveiro?
M.R. – Situa-se entre 1954 e 1971, quando o Governo de então
regulamentou a comercialização do sal.
S.A.– Porque se tornou numa actividade tão importante para a região?
M.R. – O sal é fundamental à vida e, pelas suas qualidades, o sal
aveirense, rico em vários sais (para além do cloreto de sódio, sais de
magnésio e de iodo) tinha uma grande procura em todo o país. No
interior, era muito utilizado na conservação de carnes e no curtume da
azeitona. Na região, era utilizado na indústria química.
S.A. – Como se explica a actual decadência do Salgado Aveirense?
M.R.– São múltiplas as razões. O processo de "fabrico" do sal aveirense
continua artesanal, o que exige grande quantidade de mão de obra que
encarece bastante os custos da produção. Entretanto, outros salgados se
desenvolveram, ex: no AIgarve, onde o sal praticamente feito pela
natureza, é comercializado a um preço mais baixo que o torna mais
competitivo, apesar de ser um sal quase exclusivamente constituído por
cloreto de sódio.
S.A.– Como justifica a desmotivação dos proprietários das salinas pela
continuidade da produção do sal?
M.R. – Vários factores contribuíram para o desinteresse e, daí por
vezes, o abandono das salinas: as obras da Barra aumentaram a amplitude
das marés, então, o aumento na força
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das correntes marítimas
na área do Salgado veio provocar estragos acentuados nos muros que
separam os diferentes compartimentos da salina e, por consequência, o
aumento da salinidade das águas nas salinas destruiu parte da flora que
defendia os muros da erosão. Os meios de transporte utilizados, o barco
saleiro, sem obras nos esteiros, tornam-se inadequados.
Sem apoios financeiros dos organismos estatais, os proprietários
viram-se incapazes de suportar os novos encargos.
S.A. – Como reagiram os marnotos à crise?
M.R. – A remuneração do trabalho do marnoto era estabelecido com base no
contrato de meação, isto é, os lucros no final da safra eram divididos
em partes iguais pelos proprietários e pelo marnoto. Cabendo, no
entanto, ao marnoto todos os custos da produção, incluindo o pagamento
aos "moços" contratados na época de formação do sal; ao proprietário, os
gastos com as benfeitorias e com os impostos.
Com o tempo, este uso tornou-se ultrapassado e desvantajoso para o
marnoto e, porque o proprietário não aceitou um outro tipo de contrato
segundo o qual o marnoto e os moços receberiam um salário pago por ele,
a maioria procurou uma actividade mais bem remunerada.
S.A. – Há viabilidade económica na continuidade da produção do sal?
M.R. – Não, pelas razões atrás referidas e pela falta de apoios
financeiros da actual Direcção Geral das Pescas.
S.A. – As obras do Porto de Aveiro afectaram as salinas?
M.R. – Claro que sim, conforme respondi anteriormente.
S. A. – Como se poderia ter evitado?
M. R. – Ter-se atempadamente alterado e reforçado o revestimento dos
muros, o que implicava apoios financeiros e recorrência a fundos
exteriores que, embora pedidos, ou não vieram, ou chegaram tarde e
insuficientemente.
S.A. – Que tipo de problemas pode originar o abandono das salinas?
M.R. – A expansão dos sapais e a degradação da laguna pelo aumento
excessivo de matéria orgânica.
S.A. – Tem algum plano para reabilitação do salgado?
M.R. – Como o SaIgado de Aveiro se distribui por uma série de ilhas, uma
parte seria reconvertida em viveiros de determinadas espécies de peixe,
outras especializadas em aquacultura e outras na produção de sal e
integradas em espaços de lazer. Claro que tudo isto implica uma total
reestruturação das vias de comunicação nas áreas do salgado.
Saliento que há toda a conveniência em manter algumas salinas activas no
sentido de preservação e defesa ambiental.
S.A. – A que organismos recorreu para divulgar a sua opinião?
M.R. – A todos os organismos ligados à "ria": Capitania, Junta Autónoma
do Porto de Aveiro, Direcção Geral das Pescas, INIP e também à imprensa
escrita e à televisão.
S.A. – Que respostas obteve?
M.R. – À partida, todos os organismos parecem interessados na resolução
do problema. Penso que, se houvesse uma maior solidariedade entre eles e
apoios financeiros adequados, muito se poderia fazer sobre o salgado
aveirense.
OPINIÃO – Os problemas do Salgado de Aveiro não se resolvem com soluções
meramente económicas, há problemas sociais e culturais que não podem ser
descurados, sob pena de perdermos um pouco da nossa "ALMA" |
TERESA MAFALDA |