Mensário do 7º D

  Sal de Aveiro  ▲

Maio 93

Nº 3


O SALGADO, PROBLEMAS ESPÁCIO-ECONÓMICO-CULTURAIS

O Saber de Experiência Feito

Teresa Mafalda e André

"O Sal de Aveiro" ouviu Manuel Regala, dedicado aveirense, defensor apaixonado da iluminação da nossa laguna pelas "pirâmides de Sal".

Manuel da Cruz Regala, 62 anos de idade, exerceu a profissão de marnoto durante quase 20 anos, mais tarde superintende a comercialização de todo o salgado aveirense na secção diferenciada do Grémio da Lavoura, é actualmente coordenador dos" Serviços nas Salinas". Estes serviços têm por objectivo estudar a reconversão do salgado de Aveiro.

S.A. – Qual a época de maior desenvolvimento do Salgado de Aveiro?
M.R. – Situa-se entre 1954 e 1971, quando o Governo de então regulamentou a comercialização do sal.

S.A.– Porque se tornou numa actividade tão importante para a região?
M.R. – O sal é fundamental à vida e, pelas suas qualidades, o sal aveirense, rico em vários sais (para além do cloreto de sódio, sais de magnésio e de iodo) tinha uma grande procura em todo o país. No interior, era muito utilizado na conservação de carnes e no curtume da azeitona. Na região, era utilizado na indústria química.

S.A. – Como se explica a actual decadência do Salgado Aveirense?
M.R.– São múltiplas as razões. O processo de "fabrico" do sal aveirense continua artesanal, o que exige grande quantidade de mão de obra que encarece bastante os custos da produção. Entretanto, outros salgados se desenvolveram, ex: no AIgarve, onde o sal praticamente feito pela natureza, é comercializado a um preço mais baixo que o torna mais competitivo, apesar de ser um sal quase exclusivamente constituído por cloreto de sódio.

S.A.– Como justifica a desmotivação dos proprietários das salinas pela continuidade da produção do sal?
M.R. – Vários factores contribuíram para o desinteresse e, daí por vezes, o abandono das salinas: as obras da Barra aumentaram a amplitude das marés, então, o aumento na força
/ pág. 8 / das correntes marítimas na área do Salgado veio provocar estragos acentuados nos muros que separam os diferentes compartimentos da salina e, por consequência, o aumento da salinidade das águas nas salinas destruiu parte da flora que defendia os muros da erosão. Os meios de transporte utilizados, o barco saleiro, sem obras nos esteiros, tornam-se inadequados.

Sem apoios financeiros dos organismos estatais, os proprietários viram-se incapazes de suportar os novos encargos.

S.A. – Como reagiram os marnotos à crise?
M.R. – A remuneração do trabalho do marnoto era estabelecido com base no contrato de meação, isto é, os lucros no final da safra eram divididos em partes iguais pelos proprietários e pelo marnoto. Cabendo, no entanto, ao marnoto todos os custos da produção, incluindo o pagamento aos "moços" contratados na época de formação do sal; ao proprietário, os gastos com as benfeitorias e com os impostos.

Com o tempo, este uso tornou-se ultrapassado e desvantajoso para o marnoto e, porque o proprietário não aceitou um outro tipo de contrato segundo o qual o marnoto e os moços receberiam um salário pago por ele, a maioria procurou uma actividade mais bem remunerada.

S.A. – Há viabilidade económica na continuidade da produção do sal?
M.R. – Não, pelas razões atrás referidas e pela falta de apoios financeiros da actual Direcção Geral das Pescas.

S.A. – As obras do Porto de Aveiro afectaram as salinas?
M.R. – Claro que sim, conforme respondi anteriormente.

S. A. – Como se poderia ter evitado?
M. R. – Ter-se atempadamente alterado e reforçado o revestimento dos muros, o que implicava apoios financeiros e recorrência a fundos exteriores que, embora pedidos, ou não vieram, ou chegaram tarde e insuficientemente.

S.A. – Que tipo de problemas pode originar o abandono das salinas?
M.R. – A expansão dos sapais e a degradação da laguna pelo aumento excessivo de matéria orgânica.

S.A. – Tem algum plano para reabilitação do salgado?
M.R. – Como o SaIgado de Aveiro se distribui por uma série de ilhas, uma parte seria reconvertida em viveiros de determinadas espécies de peixe, outras especializadas em aquacultura e outras na produção de sal e integradas em espaços de lazer. Claro que tudo isto implica uma total reestruturação das vias de comunicação nas áreas do salgado.

Saliento que há toda a conveniência em manter algumas salinas activas no sentido de preservação e defesa ambiental.

S.A. – A que organismos recorreu para divulgar a sua opinião?
M.R. – A todos os organismos ligados à "ria": Capitania, Junta Autónoma do Porto de Aveiro, Direcção Geral das Pescas, INIP e também à imprensa escrita e à televisão.

S.A. – Que respostas obteve?
M.R. – À partida, todos os organismos parecem interessados na resolução do problema. Penso que, se houvesse uma maior solidariedade entre eles e apoios financeiros adequados, muito se poderia fazer sobre o salgado aveirense.

OPINIÃO – Os problemas do Salgado de Aveiro não se resolvem com soluções meramente económicas, há problemas sociais e culturais que não podem ser descurados, sob pena de perdermos um pouco da nossa "ALMA"

TERESA MAFALDA

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16-12-2013