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O Salgado de Aveiro, que Futuro?

   
   
             
 

Faz já algum tempo que nós, alunos do então 7° D, nos interrogámos sobre os mistérios que os "espelhos de água" encerram e reparámos que aquelas águas salgadas e cristalinas são lágrimas de um Aveiro que chora – chora porque tem saudade da beleza singela das salineiras, chora porque os saleiros já não rasgam as suas águas como dantes, chora porque os cristais de sal já não têm o mesmo brilho, chora porque o salgado é já apenas uma memória...

Como aveirenses, e envolvidos por um sentimento mútuo de amor ao património, juntos lutámos por uma causa em que acreditámos – a reabilitação do salgado aveirense.

É que entre 1954 e 1971 a área de produção do sal era uma extensa paisagem de "ouro branco", mas hoje, na sua maioria, abundam sapais de água estagnada, povoada de insectos.

Qual o porquê de tudo isto?

Foi o que nós nos propusemos investigar. Para o efeito, visitámos a área-problema e sentimo-la como algo que nos pertence, reconhecendo que, para a fazer renascer, precisamos de estar alerta. Estudámos, pois, documentos históricos, entrevistámos marnotos, salineiras, cientistas, poetas ou simplesmente aveirenses dedicados, que muito nos contaram. E, agora, julgamo-nos na obrigação de passar testemunho.

Constatámos que, das duzentas e sessenta salinas a produzir em mil novecentos e setenta, só cinquenta continuam activas na actualidade.

São múltiplas as razões que explicam esta decadência do salgado aveirense. Algumas delas estão ligadas à falta de acessos viários às marinhas e à dificuldade de adaptação às novas técnicas, o que aumenta a quantidade de mão de obra e encarece bastante os custos de produção. Entretanto, outros salgados se desenvolveram, como no Algarve, onde o sal, devido ao clima, é praticamente feito pela natureza e comercializado a um preço mais competitivo. No entanto, este é um sal quase exclusivamente constituído por cloreto de sódio, ao passo que o aveirense é muito rico em iodo e magnésio, melhor portanto, para consumo alimentar.

Por outro lado, vários factores levaram à desmotivação dos proprietários e ao consequente abandono das salinas: as obras do porto de Aveiro aumentaram a amplitude das marés; então, o aumento da força das correntes marítimas na área do salgado veio provocar estragos acentuados nos muros que separam os diferentes compartimentos. Gerou-se, por conseguinte, o aumento da salinidade nos viveiros, destruindo parte da flora que defendia os muros da erosão. Ora, sem apoios financeiros dos organismos estatais, os proprietários viram-se incapazes de suportar os novos encargos.

E quanto à construção do IP5? Ninguém discute a sua necessidade, o que nos interrogamos é se não haveria um traçado alternativo – mais a norte – que, sacrificando algumas salinas, protegeria o salgado dos ventos e não teria afectado tanto a paisagem.

Resumindo, também nós lamentamos o facto de, apesar de existirem normas de protecção do ambiente, estas não estarem a ser aplicadas na nossa região!

É preciso não esquecer que, ao perder as salinas, perdem-se também os seus mais de mil anos de história, as suas tradições e a sua beleza, ou seja, todo um típico património transmissor de cultura, pois, na época do seu apogeu, o salgado de Aveiro unia os habitantes da beira-mar numa espécie de grande família, em que tudo era feito comunitariamente e em função da faina do sal.

Depois de termos estudado a fundo este problema, chegámos à conclusão de que é possível conciliar desenvolvimento económico com o equilíbrio ecológico.

Estejamos certos de que «a produção de sal, em Aveiro, só vai subsistir, se for subsidiada como uma actividade turística, porque, efectivamente, as nossas salinas são as mais belas que existem no país» e o "ex-libris" da nossa cidade.

Economicamente, o salgado não é viável na totalidade mas, neste momento, já foram criadas alternativas: a piscicultura e a aquicultura. A piscicultura tem hipóteses, se for de regime extensivo, isto é, os peixes criados seriam alimentados com os elementos contidos na água, ou em regime semi-intensivo, introduzindo rações; todavia, se for de forma intensiva, exclusivamente artificial, pode poluir ainda mais as águas da "ria". O ideal seria manter algumas salinas activas, no sentido de preservação e defesa do ambiente, e outras com a actividade de aquicultura.

Em suma, os problemas do salgado não se resolvem com soluções meramente económicas, há problemas sociais e culturais que não podem ser descurados, sob pena de perdermos um pouco da nossa "alma".

Terminamos, parafraseando José Estêvão, nosso patrono: Poderemos «...dizer à Europa que a civilização se amolda a todos os espaços... Não é a vastidão do território mas o bom granjeio dele que faz a felicidade dos povos...»

Participação de Teresa Mafalda no «Mini-Fórum Ecológico»

Aveiro, Novembro de 1993

 

 

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22-11-2013