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farol n.º 28 - mil novecentos e sessenta e oito ♦ sessenta e nove, págs. 11 e 18.


 

Monólogo

 

com minha avó

 

 

Maria Helena Marcos do Amaral
(2.º ano)
 

A minha Avó é simples, de alma branca como a casita alentejana, muito caiada, onde vive, e... poeta como uma criança.

Nestas férias estive com ela na praia... e os meus conhecimentos muito científicos, muito específicos, ficavam desarmados e encantados pela voz simples, de pronúncia constante, da minha Avó.

A praia, já quase no Algarve é linda, com rochedos altos, quase a pique, grutas e lagoas.

Passeávamos muitas vezes juntas: eu e ela. Ela falava naquela linguagem maravilhosamente simples e sensível às maravilhas da Natureza... eu ouvia e fixava as suas palavras. Toda a nossa conversa se limitava afinal a um longo monólogo.

− Gosto de ver o mar assim agitado, a bater nas pedras, a fazer aquele espumaredo todo... «Atão» que queres (?): gosto de ver estas coisas assim... são lindas. Não me importava, não me cansava de estar aqui uma data de tempo a ver isto».

As suas comparações eram vigorosas.

− «Tás» a ver? Este rochedo a direito qu'até parece um muro de rocha a fechar este recorte... e «O'depois» outra praia e outro «muro», e mais... tantos recantos até lá ao fundo... Até parece que foi tudo recortado!... ».

− «Este bocado aqui em baixo, onde vai agora a onda... a rocha toda preta e com aqueles riscos brancos qu'até parece uma pintura que ali fizeram em cima!».

A sua admiração, o reconhecimento da impotência perante a grandiosidade do espectáculo:

− «A rocha com cores avermelhadas... amareladas... que nem sei explicar... Não sei. E que força! Olha ali um verde mais escuro e outro mais claro... aqui a espuma branca. Isto é muito lindo... E ainda há gente que diz... que isto é só a Natureza.
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Se não houvesse Alguém que mandasse em tudo isto... Ainda há quem diga que não existe Deus!... Asneiras!!!».

As férias acabaram, mas a imagem da minha Avó, de cabelos branquinhos e olhos verdes como o mar, que adorava, não se apagam da minha memória; e, em cada momento, eu procuro descobrir o que dizia ela, na sua linguagem de poeta, se estivesse ainda junto de mim, a viver esse instante comigo.

 

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09-06-2018