Acesso à hierarquia superior.

farol n.º 25 - mil novecentos e sessenta e seis ♦ sessenta e sete, págs. 14 e 15.

INTERVALO POÉTICO

O menino não teme a escuridão

Ema Manuela da Silva

O menino não teme a escuridão.
Trilha as pedras da rua, descuidado,
Pelo frio e pela fome acompanhado,
Servindo-lhe de único bordão...


Um pequeno bornal, na tenra mão,
Conchega para si com mais cuidado:
Que não vá pela chuva ser molhado
O pão duro da sua refeição!


Já sobre as pedras húmidas deitado,
Ergue os olhitos meigos, com fervor,
Fazendo ingénuas súplicas ao Céu.


E, como que se fosse abençoado
Por esta grande fé, cheia de amor,
O menino, sereno. adormeceu...
                (Prémio do 2.º ciclo de 1967)


Infância

Ana Maria da Silva Valente

Uma criança que brinca...
Para ela
O mundo é
Sol, mar e muitos castelos d'areia.
D'areia?
Que digo eu?
São palácios encantados,
Recantos maravilhosos,
É sonho em realidade,
Ilusão que
Mar e sol
Transformam numa verdade.


Uma criança que brinca...


Passa alguém,
Alguém
Que já não sonha,
que só vê
areia fria, escura e sem encantos.
Impiedoso,
Destrói, num momento,
Palácios encantados,
Maravilhas d'imaginação
E a criança,
Indefesa e triste.
Chora a morte do sonho,
Que era a sua realidade.


É forte a vontade:
Palácios ressurgem
D'uma areia removida;
Sonhos encontram
Novamente a sua forma.
Mas, em breve,
O senhor desses reinos
Despreza os seus domínios:
São tão pequenos
para a sua fantasia...
Quase sem querer,
Corre para o mar,
Onde,
Livre e feliz,
Poderá encontrar
Uma imensa maravilha.


Viajando por África

Celeste Ferreira de Almeida

Trajando longa capelana branca,
Um lenço a atar os negros cabelos,
A jovem preta, sorridente, avança...
Os olhos alegres espreitam na noite,
Bailam, ansiosos, esperando alguém
Que a lua Cheia procura e alcança.
Ele ali está inquieto e nervoso,
Ardendo em paixões, desejando vê-la,
Seu amor confessor...
Os lábios se entreabrem,
As mãos se unem,
Começa a falar:
«Tu seres tambazana chungila,
Mim gostar muito de ti,
Chicuembo chanhaque!»
A negrita ficara imóvel,
Estática e muda,
Como dominada por um ataque.
«Um» – acenou por fim,
E, recuperando a antiga calma,
Tornou-se diferente:
«Kanimambo, uena!
Eu também querer muito,
Estar muito contente.»


A natureza, entretanto, adormecera.
O silêncio, à volta era profundo,
Somente a lua tinha mais esplendor.
E os dois apaixonados, esquecidos do mundo
Pensaram apenas na FELICIDADE
Esqueceram por momentos, a guerra e a dor.
                          (Prémio do 3.º ciclo de 1967)


Crepúsculo

Ana Maria da Silva Valente

Sonhos que brilham
nas ondas quebradas,
na areia da praia.
Esperanças
que as aves, passando,
arrastam sem dó.
O Sol
morre lá longe,
no azul imenso
e queima, ao morrer,
ilusões, ainda ilusões...


Na areia,
estéril e seca,
morreram esperanças
tão grandes,
tão belas...
Como puderam morrer,
desaparecer para sempre?
Eram fortes...
Fortes como as ondas,
fortes como o mar.
Ó areia
estéril, seca!...
Ó morte
de tantos sonhos!...
Ó mar imenso,
Ó imenso desespero!


Sombras da tarde...
a tarde chegou ao seu fim.
Murmúrio do mar...
o mar leva nas ondas,
tolas ambições.


Crepúsculo...


O sol que se esconde,
a vaga que parte,
a ave que passa,
um amor que morre.

 

página anterior início página seguinte

09-06-2018