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farol n.º 23 - mil novecentos e sessenta e seis ♦ sessenta e sete, pág. 21.

"Quem não sabe ler é como quem não vê"

José Manuel Feio
(1.º ano)

Certo dia dirigia-me para o Liceu de autocarro, quando aconteceu a peripécia que vou contar. Parou o autocarro na paragem a seguir à passagem de nível da Estação. Entre muitas pessoas que entraram, entrou também uma velha. Os seus cabelos eram alvos como neve, as mãos enrugadas e trémulas seguravam uma saquita.

O cobrador, dirigindo-se à velha, perguntou-lhe:

– Para onde deseja ir?

– Para Esgueira, tiozinho.

– Para Esgueira?! Para Esgueira, mas o autocarro vai para o Jardim. Agora tem de ir até à Estação e apanhar lá o autocarro que segue para Esgueira. Por isso tem de pagar um bilhete de $70.

A velha, com voz trémula e admirada:

– Ora essa, então vossemecê trata assim uma senhora idosa como eu?! Seus malcriados, vou já fazer «quexa», e p'ra castigo não pago o bilhete. E é bem feito. Toma que é para saber. Já paguei muitos bilhetes.

E todo o caminho resmungou, maldizendo a sua triste sorte. Todas as pessoas se riam
divertidas. A velha para um senhor que ia a seu lado:

– Pois vossa senhoria não «shabe». Que malcriados. Entrei em Esgueira e quero ir para Esgueira e agora tenho que ir para a Estação. E ainda por cima tenho que pagar o bilhete. Ai! mas não pago não, «penche» ele. Há-de «ber». E é muito bem feito, ora não é?!

Mas, por fim, lá pagou o bilhete, muito resignada e muito a custo. E tudo isto aconteceu por não saber ler.

 

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08-06-2018