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farol n.º 22 - mil novecentos e sessenta e seis ♦ sessenta e sete, pág. 14.

Cruzámo-nos apenas

Tammy

Eu era ainda bastante nova. Mas ela, ela era uma criança. Contudo afeiçoei-me a ela. Ela era a amiga, a confidente e, quantas vezes, ainda que mais nova, ela era o guia. Vivem o dia a dia os problemas de tantos anos! Apesar de mais velha era eu que mais frequentemente pedia: «ajuda-me». E ela vinha sempre, sorridente e amiga estender-me a mão. E na mão que me estendia estava sempre a certeza de poder sorrir de novo à vida. Ela estava triste? Já nada me poderia dar prazer! Eu estava preocupada? Desenhavam-se-lhe duas rugas aos cantos da boca que já não sabia sorrir. Acreditávamos que a amizade nunca morreria. E a nossa crença não foi traída, porque a afeição não morreu.

Ontem vi-a. No olhar negro não havia luz. Na boca rosada não bailava o sorriso a que me habituara. Olhou-me em silêncio, de fugida. Não sei o que dizia o silêncio. Parecia-me triste. Eu também fiquei calada muito embora tenha posto a amizade, que não morreu, no olhar que lhe dirigi.

Ontem não nos encontrámos, não nos encontrámos com a plenitude do encontro de alguns anos atrás. Não! Ontem cruzámo-nos apenas...

Mas, terá sido verdadeiro o encontro? Não terá sido um cruzar mais demorado do que o de ontem? Não teriam sido silêncio como o de ontem, silêncio triste, todas as palavras pronunciadas ao longo desse encontro? Não sei, não sei.

A amizade não morreu, não morrerá! Mas... poderá ela resistir ao silêncio? Talvez. E se ela resistir, então sim, então encontrar-nos-emos plenamente, definitivamente, porque ontem cruzámo-nos apenas.

 

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08-06-2018