Acesso à hierarquia superior.

farol n.º 21 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 7 e 8.

Falando sobre...

...Modernismo e Boa-Educação

Jorge Abreu
(7.º ano)
 

– S' os antigos viessem a este mundo, morriam de susto! Isto é frase corrente na boca daqueles que se espantam cada vez mais com o rumo que a vida tomou, e têm ainda na mente muito dum passado longínquo. E acho que sabem qual o significado oculto da expressão.

Bem, meus amigos, escusam de ficar já de pé atrás. Não sou refractário às inovações, nunca o serei. Eu explico: não sei se já ouviram falar duma certa teoria de evolução; é qualquer coisa que afirma que, sem uma evolução constante, se morre.

Pois o que hoje se passa é essa evoluçãozinha, mas em ritmo acelerado, aceleradíssimo.

Ora, ao lado dessa mutação constante, existe um conjunto de factores, chamemos-lhe assim, que se mantêm, ou devem manter, quase inalteráveis. É aquilo a que vulgarmente se chama boa-educação.

Há uma canção, hoje muito em voga, que ousa afirmar: «ser malcriado é moderno, é moderno....».

E esta, hein? Querem atingir num ápice a modernidade, amigos?

Vêem aquele ridículo senhor? Chamem-lhe de frente bota de elástico. Oh, mas que fazem? Não usem a faca, comam à mão. E, se quiserem, digam grosserias a essa velhinha que segue aí ao vosso lado. Mas, se os admoestarem, respondam com ar enfatuado e bocejando, como costumam fazer:

– Bah! Tou farto d'esta espelunca!

No autocarro o jornal é um óptimo meio, para não ceder o lugar a uma senhora ou a um velho Eles que se aguentem, não é, amigos? E os professores? Mas que raça! Que necessidade há em / 8 / gastar saliva a cumprimentar os colegas? É muita mais fácil fingir que se não vêem; se não, são do «grupo», só existem para servir as nossos interesses. Nós não precisamos mais desta gentinha toda, não é verdade? E, sobretudo, é moderno ser-se mal-educado.

Com franqueza, amigos, com franqueza, isto. de farsas era na tempo de mestre Gil. Sim, querem crer que, por vezes, fico verdadeiramente aterrado com o que faz e pensa determinada camada de jovens? Levam tudo pelo «quero» e «não quero» e os outros que se arranjem.

Isto está mal. Não se convençam que o mundo é o ambiente familiar em que, se o papá ou a mamã não concordam com o menino, ele faz beicinho e bate o pé.

Deixemos de ser crianças. Ia a dizer que de contrário levavam tau-tau, mas arrependi-me. Com certeza nunca souberam o que isso era e longe de mim ser abstracto e filosófico nestas conversas.

Contudo, se se interrogar um dos citados meninos, ele justificará.

– Ora, nós queremos ser independentes, queremos realizar-nos!

Sabem, já vai longe o tempo em que ter personalidade era dizer uns tantos termos arrebicados, que no dia anterior se haviam copiado do Dicionário. Hoje, para se ter essa personalidade, recorre-se à gíria, fazem-se uns tantos trejeitos de boca, diz-se mal do que está bem, e pronto.

Já é tempo de acabarmos com isto. Já experimentaram, num dia de sol, reparar no trajecto da vossa sombra? Ela bebe o pó do chão, beija a lama, espoja-se autenticamente na imundice. Acho que não gostariam de confundir-se com ela. Então, amigos, façamos um esforçozinho para nos elevarmos. E sobretudo nunca se esqueçam disto: «por cima do pântano mora o céu azul!»

 

página anterior início página seguinte

08-06-2018