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farol n.º 20 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 3 a 6.

Portugal de Além-Mar

Impressões de viagem

 

Algures no Atlântico,  entre  S.  Tomé
e o Funchal, 11 de Setembro de 1965


Pouco mais de 24 horas passaram sobre o momento em que, majestoso, o paquete «Pátria» rodou na idílica Baía de Ana Chaves e aproou de regresso à Metrópole.

Sentado numa cadeira do deck, junto à piscina e à sombra duma baleeira, contemplo o céu e o mar – duas tonalidades tão contrastantes, mas tão azuis – de olhos semi-cerrados e a reviver as horas felizes que passei na formosa Ilha Verde.

Confesso que nunca tive uma memória fiel, mas, neste momento, como que num filme, as imagens vão passando, tão nítidas que me parece estar a reviver os episódios que pertencem inexoravelmente ao passado e ao mundo das recordações. A princípio acudiam-me ao espírito apenas ocorrências dispersas; depois, comecei a pôr um pouco de ordem, porque lá dizia o filósofo: – mais vale uma cabeça bem arrumada do que muito cheia –, e ele lá sabia porquê. E, antes que as ideias me fugissem, eu registei-as convenientemente.

No dia da chegada, que terrível contraste: nós muito bem engravatados e encasacados e os locais em mangas de camisa. A lancha, que nos trouxe de bordo até terra, atracou ao cais da Alfândega, onde começámos por receber os cumprimentos do Comissário Provincial da M. P., pessoa muito amável, que se prestou a auxiliar-nos em tudo o que precisássemos.
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Seguidamente, e já a suar, carregámos as bagagens até ao «jeep», que as levou ao Liceu, onde ficámos instalados nos dias que passámos na cidade. Entretanto fomos a pé ao Gabinete do Sr. Governador da Província, a fim de apresentar cumprimentos, findos os quais Sua Excelência retribuiu com breves mas expressivas palavras.

Segundo o programa, coube-nos visitar o Sr. Presidente da Câmara que nos obsequiou com uma bonita colecção de postais ilustrados.

À tarde, depois de um lauto almoço no «Refeitório» da cidade, fomos ao «Clube Náutico», atraídos pela ideia de tomar banho numa piscina a sério. Sim, porque a de bordo não é uma piscina, mas sim, como disse um dos nossos, um lugar com dois metros de altura. E aqui ocorreu outro flagrante que não posso esquecer: Os rapazes locais saíam da água a «bater o queixo» e nós, os metropolitanos, estaríamos lá toda a tarde, se nos deixassem. Diziam eles: Sabem, nós estamos na gravana, que é o tempo fresco, e a água está fria! Qual gravana! Qual fria!

Cedo travámos conhecimento com rapazes e raparigas daquelas terras – muitos oriundos da Metrópole – e que bastante contribuíram para transformar a nossa visita de estudo numa viagem de recreio na verdadeira acepção da palavra.

Contudo, num dos dias seguintes, tivemos de partir para as «roças», onde passaríamos uma semana em cada uma, num sistema de rotação por grupo de dois rapazes. No primeiro e segundo dias, de bloco e lápis na mão, percorríamos todas as secções, a compilar afirmações, informações, dados estatísticos, etc., etc.. Nos dias seguintes tínhamos a visita às dependências, a pé, a cavalo ou de «jeep». Sempre fomos bem recebidos, tanto por parte de brancos como de negros, por toda a parte encontrámos gente acolhedora, solícita, enfim, a tradicional hospitalidade, portuguesa, transportada para terras do Equador.

A volta à ilha, numa vedeta costeira, com paragem na Roça Porto Alegre, para pernoitar, foi outro facto inolvidável. Que noitada! Três camas para dezassete indivíduos... Houve quem dormisse no chão e nas cadeiras! Que remédio! Mas também valeu a pena: fomos recompensados com uma visita a uma praia, onde pudemos desorbitar os olhos perante os mais bonitos corais que a vista humana pode vislumbrar. Por causa dos corais apanhei cinco (5!) espetadelas dum ouriço-do-mar só no dedo indicador direito. Sem contar com as que apanhei nas solas dos pés. E isto aqui para nós, o / 5 / marinheiro que mas tratou podia perceber de tudo um pouco menos de enfermagem... Integrada na mesma volta estava a visita ao Marco do Equador no Ilhéu das Rolas. Que bela paisagem se avistava daquele marco implantado por Gago Coutinho.

De surpresa em surpresa, caímos no Príncipe. Baptismo do ar, poços de ar para dar mais emoção, perguntas aos pilotos, aterragem impecável no aeródromo do Príncipe.

A volta pela ilha, em «jeeps», salvo os balanços, que maravilha! E então, que praias de sonho! Julgávamo-nos no Hawai! E até quisemos andar de canoa, mas isso é só para quem sabe, isto é, para os nativos e muito poucos brancos.

O Sr. Administrador do Conselho, que nos acompanhou na nossa digressão pela pequena ilha, ofereceu-nos duas coisas que nós não podemos, de maneira nenhuma esquecer: uma ferra de novilhos na Roça Sundy, onde pudemos pôr à prova, perante dezenas de nativos, que nos observavam, a nossa «mestria», na arte de pegar novilhos. (Não sei lá porquê, mas creio que uma pisadura que tenho no peito é uma recordação de um «novilho». A outra coisa foi um «modesto lanche» como o Sr. lhe chamou, mas eu não erraria muito se chamasse antes lauto banquete, onde o churrasco e o cabrito assado não faltaram. Se aquilo foi um modesto lanche!!

No fim da nossa estadia, mais uma agradável surpresa: as moças, nossas conhecidas, haviam, no maior segredo, preparado um baile de despedida aos rapazes do grupo.

O baile realizou-se no edifício do Rádio Clube de S. Tomé, com a presença do Sr. Governador e Ex.ma, Esposa, Comissário da M. P. e esposa e outras entidades locais. Apesar de todas estas altas personagens, o convite era bastante esclarecedor acerca do traje obrigatório: «mangas de camisa».

O baile, que começou a meio da tarde, prolongou-se pela noite dentro, até cerca da uma hora da manhã. Quando acabou, eu já não podia com as pernas e não fui dos que dançou mais.

Os últimos dias foram aproveitados febrilmente para fazer as malas e apresentar cumprimentos de despedida ao Sr. Governador, Sr. Presidente da Câmara, e outras pessoas conhecidas...

Parece-me que cheguei ao fim da meada. Outros pensamentos me assaltam e eu continuo sentado no «deck» da piscina, de olhos semi-cerrados, a contemplar o céu e o mar, sem dar conta do tempo.

Um colega passa e eu como que desperto:

– Ó «Aveiro», sabes que horas são? Não te vais arranjar para o jantar?

– Safa! São sete e um quarto e o jantar é às sete e meia. Obrigado, ò Ferrari, fizeste bem em avisar, porque eu estava realmente muito distraído...

M. Senos de Oliveira
7.º ano – Ciências

 

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08-06-2018