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farol n.º 19 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 8 e 9

INTERVALO  POÉTICO


Bairro de lata

Beco de escombros,
Esquina ruída,
Via gasta e suja,
De casas que não são casas,
De gente que não é gente
E que eu conheço!
Crianças nuas pelas ruas,
Pessoas sujas,
Mãos encrespadas,
Sebentas, oleosas,
Buscando no lixo
O resto dos outros,
Como cães famintos!
E eu a vê-los,
A observá-los,
A compreendê-los,
Sem lhes acudir.
Mundo, tu não és nada!
Deixas assim
Pezitos nus, ao frio,
De crianças que não sabem
O que é um sonho.
Eu tenho sonhos...
Sofro, mas também me rio.
Eles não!
Só penam, só sofrem!
Mundo, acode-lhes,
Que eu não posso!

                       JORGE ABREU

 

Noite de Natal

C.A.

 

O vento sibila por entre o casario,
Neve, chuva caem sem cessar,
Ruas desertas, sombrias e tristonhas
Silêncio e trevas pairando no ar.


Nas casas, alegria,
Hinos, orações...
Crianças que riem contentes,
Paz e amor nos corações.


A um canto o presépio iluminado,
Com o Menino, Maria, José;
Toda a família, acabada a ceia,
Vai pôr o sapato na chaminé.


Deitam-se, felizes, ansiosos,
Depois dessa noite sem igual;
Os anjos, em coro vão cantando:
É Natal! Natal! Natal!
 


INGRATA!

JOSÉ ALBINO PIRES

 

Porque tentaste, ó sedutora, ingrata,
Trazer imerso, num profundo amor,
A mim, que, outrora, aspirava o olor
Dessa tua alma, que tão mal me trata?!


Porque desprezas, tu, pobre insensata
O que te amava com veemente ardor?!
– Ah! – mas não rias, que acaba a dor
Em peitos fortes, que a traição não mata!


E, se me lembro da felicidade
Dos outros tempos, em que ri contigo
E em que amor eterno me juravas.


Hei-de cuspir p'ra longe esta saudade
Que eu de rastos, ignóbil, não te sigo!...
As almas fortes nunca são escravas!
 


MÃE

M. VIRGÍNIA

 

Mãe!
Mote de um poema singelo
Que descreve o amor mais belo
Que um coração pode der!

Mãe!
Como é grande o teu amor:
Quanta privação e dor
Sofres tu, para nos criar!


Mãe!
Obrigada, mãe querida!
Esta vida, que nos deste,
A ti a vamos dedicar!
 


Súplica

Agostinho Vidal de Pinho

 

Quero
Colher aquele botão de rosa;
E ele murchou.
Quero
Beber a água daquela fonte;
E ela secou.
Quero
Com raiva, com sede,
Que o mundo me acolha!
Mas tudo me nega!...
Porquê?
O mundo não é meu?
E eu serei do mundo?
E num silêncio,
Em que paira
Uma interrogação,
Queda-se minha alma...
E num silêncio
De cripta funerária,
Reclamo a chama ardente
Que o mundo me nega...

 

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08-06-2018