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farol n.º 12 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, págs. 3 e 4.

Um Professor que se afasta,
um amigo que fica!

– O Ex.mo Sr. Dr. Assis Maia concede uma entrevista ao nosso jornal.

 
 

Não poderia o jornal do nosso Liceu deixar de recolher nas suas colunas algumas palavras de quem, por largos anos, dedicou incansavelmente a esta Casa o melhor da sua inteligência, da sua saúde e do seu trabalho, no sentido de servir, o melhor possível, o Liceu a que muito quer e a terra que adora – duas paixões constantes da sua vida.

Não nos interessa aqui traçar uma biografia, pois isso já o fizeram os jornais da cidade, mas tão somente recolher algumas impressões que melhor concretizem algumas das facetas da alma dum homem que nos habituámos a conhecer na sua figura inconfundível desde os primeiros dias em que começámos a frequentar o liceu.

Ao Sr. Dr. Assis agradece o «Farol» a gentileza de se ter dignado conceder esta entrevista.

Procurámo-lo na sua casa, no meio das recordações do passado e entregue às alegrias do presente: o amor da família e os extremos de carinho para o netinho que idolatra.

E a entrevista começa.

– Durante quantos anos exerceu V. Ex.ª o professorado no nosso Liceu?

– Durante 37 anos: desde 1926 (Outubro) a Dezembro de 1964, excepto no ano lectivo de 1928 – (Vila Real).

– Durante quantos anos ocupou o cargo de secretário do Liceu? E com quantos reitores serviu?

– Desde 1929 (Outubro – interino) a 1964 (Dezembro) – 35 anos incompletos. Servi com cinco Reitores e um Vice-Reitor.

– A sua experiência dos homens é grande, pois lhe passou pelas mãos uma série de gerações. Que nos poderá dizer a este respeito?

– Conheci vários caracteres. Encontrei, por via de regra, alunos dóceis, que sempre se mostraram multo meus amigos. Excepções? Sem dúvida! Mas muitíssimas poucas... um ou outro – anormal...

Meninas – duas ou três turmas, dignas de Louvor.

– Permita-nos, agora, duas perguntas indiscretas: – Está arrependido de ter seguido a vida de professor? – Se agora tivesse de recomeçar, escolheria uma outra actividade?

– Pelo contrário. Só gostaria que fossem todos tão felizes como eu, que, tendo duas armas, optei pela do ensino, onde sempre fui feliz!

– Qual terá sido a maior satisfação que a vida de professor lhe proporcionou?

– De momento, não sei responder-lhes – parece-me quase impossível responder concretamente.

Foram tantas as alegrias!...

– Que episódio mais o impressionou, na sua vida de Professor?

– Um dia, a propósito da 1.ª Grande Guerra, falei em soldados portugueses que passaram fome, quando prisioneiros na Alemanha.

Perguntei se alguém sabia o que era fome – e levantou-se uma aluna, muito digna e trabalhadora. Logo me estalaram as lágrimas nos olhos e fiquei entalado. Prometi a mim mesmo nunca mais fazer tal pergunta. (Encontra-se já há anos na Venezuela e nunca se esquece de me enviar as Boas Festas).

Um aluno (6.º ano), dos tais que eu sempre procurei «desencantar da timidez», designado por mim para «Moço de Giz», na disciplina de Ciências Geográficas, desatou logo a chorar e, chamado ao quadro, de tal modo se desfez em lágrimas, que me comoveu e me obrigou a escolher outro! É formado em Germânicas... e muito meu amigo!

– Qual seria agora o seu maior desejo?

– Na impossibilidade de voltar ao princípio, que dizer ? – Gostaria de ser professor... do meu netinho, que tem, em 21 do corrente, ano e meio. E, para já, saúde e paz para mim e para a minha mulher! E também para meus filhos... e neto.

Estava terminada a entrevista. Resta-nos agradecer mais uma vez e desejar que realmente o sr. Doutor Assis encontre, no seu merecido descanso, saúde e paz para si e para os seus.

 

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08-06-2018