Acesso à hierarquia superior.

farol n.º 9 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, pág. 11.

Ele

A. Vieira da Silva
(7.° ano)

NÃO. Ele não podia matar. Não lera no Evangelho a frase de Cristo «Não matarás»? Não fora ainda nessa Sagrada Escritura que aprendera a perdoar e mesmo até a orar pelos seus inimigos?

Sim. Tudo isso lera e aprendera. E eram agora os próprios chefes (os que se diziam católicos) que o encorajavam a matar os inimigos. Era verdade que a sua Pátria estava em perigo, mas também era verdade que só a Deus competia pôr termo à vida humana.

Não. Ele jamais mataria.

...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...

Caminhava agora ao lado de seus companheiros, espingarda na mão. Castelos de nuvens negras toldavam o céu.

Estava iminente uma tempestade. Mas algo mais estava iminente: o combate. E ele deu-se por fim.

Todos lutavam. Só ele fingia...

Ao ver, porém, um seu amigo tombando para sempre, uma profunda ruga vinca-se-lhe na face. Olha o céu enevoado. Pela primeira vez o ódio se lhe entranhara no coração. E então luta como os outros. Mata. Ele que jurara não matar, fá-lo agora saciando a sede de vingança.

Após breves momentos, porém, sente uma dor aguda no peito. As mãos deixam cair a espingarda e apertam desesperadamente a ferida. Dobra-se sobre si mesmo. Cambaleia. Tomba por fim sem forças. Exala o último suspiro.

O sangue corre agora lentamente, regando o solo. Um clarão rasga o céu. Ouve-se o ribombar dum trovão. Desaba enfim a tempestade.

 

página anterior início página seguinte

08-06-2018