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farol n.º 9 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, págs. 4 e 5.

Noite na Serra

Agostinho Vidal de Pinho
(5.° ano)

A noite era tenebrosa. Um vento contínuo e forte impelia as frondes dos pinheiros e arbustos. Rodopiavam folhas no ar, agitadas por esse vento frio, que uivava lúgubre. Os arbustos mais fracos vergavam e gemiam, melancólicos. A maior parte das árvores, despidas de suas ramas, estendiam os braços descarnados para o céu, como que a pedir clemência.

Caía neve... Flocos esbranquiçados esvoaçam no ar, arrastados pelo vento gélido, que soprava ameaçadoramente. Os caminhos eram tapetes fofos, brilhantes, frios... As ramarias mais altas dos pinheiros brilhavam na noite. Os ramos das carvalheiras ancestrais, desprovidos de folhas, tremiam; e deles pendiam leves farrapos de neve. E, a cobrir tudo isto, o céu estendia o seu manto amigo sobre a Natureza. A face pálida da lua luzia fraca e arrancava breves cintilações aos caminhos.

As ovelhas tinham já há muito entrado no curral. Permaneciam silenciosas, sob o olhar fiel do cão de guarda, a quem o pastor tinha confiado velar pelo rebanho. De quando em quando, algum cordeiro, apartado da mãe, balia, e logo o cão se movia a recomendar quietude.

Reinava um silêncio aterrador, mas algo de estranho veio perturbá-lo: os lobos. O vento tinha acalmado um pouco e, então, a neve caía mais forte, produzindo pequenos ruídos.

Lá ao longe, os lobos uivavam... Cada vez mais próximo, como um perigo iminente, assim avançavam eles, para sacrificar as suas vítimas. O cão de guarda, sempre fiel e amigo, / 5 / ladrou, para despertar o seu dono, que dormia tranquilo no seu leito de feno. As ovelhas moveram-se e, logo a seguir, um silêncio de morte, que os lobos perturbavam com uivos ameaçadores. Estavam mais perto da cerca e, à medida que se aproximavam, aumentavam as suas vozes agoirentas.

O rafeiro, por sua vez, corria dum lado para o outro, a ladrar, debaixo dos olhares fugazes da matilha. Então, uma porta rangeu nos gonzos e um vulto embuçado assomou na escuridão, trazendo uma candeia e um cajado. À porta da cabana de colmo, lá estava o pastor pronto a defender a sua riqueza: o rebanho. O cão, a seu lado, abanava a cauda, inquieto.

Vários pares de olhos luminosos brilhavam aqui e ali e, de vez em quando, um uivo agudo e sonoro, que fazia gelar o sangue nas veias, cortava a noite, indo ecoar nas profundezas da serra.

O pastor, seguindo o seu cão, aproximou-se da cerca e, então, sombras movediças romperam de todos os lados. Seguiu-se uma luta tremenda, onde o varapau e os dentes agudos do cão obravam prodígios. Ao fim de longo intervalo de tempo, os lobos, vencidos, fugiram cabisbaixos, sem nenhuma presa e deixando atrás muitos irmãos mortos, que, passadas algumas horas, haviam de ser devorados pelos outros lobos sobreviventes.

O cão e o homem regressaram à cabana e, à luz mortiça da candeia, curaram as feridas provocadas no combate.

A manhã aproximava-se e as campainhas do rebanho tilintavam docemente... O sol dentro em breve havia de iluminar de novo a serra e a vida voltava de novo, esquecendo uma noite terrível...

 

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08-06-2018