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farol n.º 3 - mil novecentos e cinquenta e oito ♦ cinquenta e nove, págs. 20 a 22.

Um poema em prosa

João B. Resende
(6° Ano)

E lá estava eu,
                via a chuva, via o caminho
                                e não a via.

 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Via a gente, via a terra, e via até
                a pedra branca,
                                e não a via.

 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Via tudo enfim, mas não
                via nada,
                                pois não a via.


Pensava? Eu verdadeiramente pensava?


Talvez... lembrava-me das suas mãos quando me acariciavam...  da sua doçura...

lembrava-me das covinhas que fazia nas bochechas quando se ria, do seu queixo, dos seus cabelos, dos seus olhos...

pensava até em todas as palavras que começassem por X por ser essa a primeira letra do seu nome.

– E tanto lembrei, tanto pensei e
                tanto não vi
                                    Que vi!.
                e vi mesmo meu Deus!
Como ela estava, não fria, um corpo sem vida.

/ 21 /

Mas como a vi pela primeira vez, com o seu vestido branco...
as suas tranças... e rosada...
                e quente...

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

No meu espírito ao princípio e depois eu via-a em sonho e quando estava acordado.
Não dizia outra coisa senão o seu nome.
E se alguém me perturbava,

e eu via alguma coisa que não fosse ela,
oh! que fúria! eu batia, eu mordia, eu dava cabeçadas e pontapés, quando não podia em mais nada, mesmo na parede.

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Falava por vezes sozinho...

Sim sozinho, mas só com ela e quando ela por vezes se esvaía, eu então via a realidade, a sua morte...
                                Desesperava-me...

. . . . . . Chorava, chorava,

                                e quando de repente a via outra vez só dizia
                                ah!

Mas pensava muito.
                Pensava... Dizia... Não sei.
                Já não sei se pensava, se dizia, se agia...

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                Para mim tudo era...
                                                ...Nem sei o quê.

Sei que me disseram que eu dizia coisas sem nexo...
e que ofendiam por vezes...
Ao mesmo tempo que me debatia, berrava e mordia... pensava:
                Talvez tenham razão... quem sabe...
                                                ... O que eu digo.
/ 22 /

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E diziam-me que eu era louco...
Como cada vez mordesse e desse mais pontapés, enfiaram-me à força no diabo duma coisa em que eu não me podia mexer;
                mas esqueceram-se de que eu podia berrar... e berrei.
Depois, levando-me assim no meio dos berros que eu dava, e da gente que para mim olhava, meteram-me numa casa, e por fim num pequeno quarto.
Quatro paredes e um tecto que me abafavam.
As grades não me deixavam ver para fora.

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Mas tanto me fazia. Agora
ninguém me incomodava e via-a
                sempre!

 

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05-06-2018