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farol n.º 3 - mil novecentos e cinquenta e oito ♦ cinquenta e nove, págs. 5 e 6

Vocação

Alfredo Manuel de Serpa Magalhães
[6.º Ano)


É
numas águas-furtadas que vamos encontrar José Manuel, um rapaz bem constituído, alto, moreno, de olhos negros, sempre brilhantes, onde reina a vontade e a inteligência. É rico, filho único duma família de comerciantes que se estabelecera na aldeia e que aí fizera fortuna, Tem, presentemente, quatorze anos. O pai, burguês incapaz de se desligar dos preconceitos familiares, não compreende, não obstante todo o seu carinho pelo filho, a vontade deste em estudar os problemas mais estranhos que jamais viu e a que tem horror e medo. Sim, ele não compreende que José Manuel queira ser um sábio, físico ou químico ou matemático.

À sua inteligência e ao seu orgulho repulsa a ideia de ter um sábio na família; que fosse um comerciante, profissão honrada e rendosa, estava bem; que fosse um médico, ainda compreendia, pois seria estimado e ganharia bom dinheiro; agora sábio!...

Fora num momento em que estava muito bem disposto que permitira que o filho tomasse conta do sótão da casa para aquelas malfadadas experiências. Oh!, como maldizia esse momento de fraqueza, que hoje, lhe dava tantos temores! Temores, porque podia perder o seu primogénito nalguma explosão (já acontecera ouvir uma e, quando fora acudir ao filho, este segurava um frasco na mão, do qual saíam fumos, e todo ele resplandecia de alegria: Justificara-se dizendo ser a combustão / 6 / dum tal hidrogénio, mas o coração do pai ficara em sobressalto! Temores, porque podia começar um incêndio na casa que lhe levasse o suor de muitos anos de trabalho.

Bem, era verdade que se orgulhava das palavras de elogio dos colegas e dos professores, mas como podia a sua inteligência aceitar o filho como sábio, ele, descendente duma burguesia bem conhecida pela sua vida metódica?

José Manuel, entretanto, indiferente aos receios paternos, passa à experiência os seus conhecimentos teóricos. Neste momento está a tentar demonstrar as leis da queda dos graves.

O sótão, com os instrumentos, frascos, ácidos, pêndulos, enfim, com tudo o que lá meteu, comprado, com o dinheiro que recebe e economiza para esse fim, ou oferecido, está transformado num pequeno laboratório.

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Com a sua enorme força de vontade, assim como hoje consegue, aos quatorze anos, manter-se direito no caminho traçado em face do apelo da ciência, assim amanhã aparecerá no firmamento científico mais uma estrela de primeira grandeza, cujo nome é José Manuel.

 

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05-06-2018