Retalhos das Memórias de um ex-Combatente


O Embarque

Na manhã do dia 28 de Abril de 1962, embarcámos no Cais da Rocha Conde de Óbidos em Lisboa, no navio Quanza, com destino a Angola. O meu Batalhão era composto pelas Companhias CCS, a 304, a 305, a 306 e a 307.

Ainda antes do embarque, mas já a fazer a tropa em Lisboa, fui convidado por um camarada a acompanhá-lo para ele se ir despedir de um amigo, também militar, que embarcava para o Ultramar.

Assisti às despedidas dos familiares que ficavam, ao adeus dos que partiam. Cenas por vezes chocantes! Era a vida! Daí a pouco também me calharia a mim.

Pensei no porquê de quando nos despedimos de uma pessoa que embarca num barco, as despedidas serem mais dolorosas de que quando se embarca num avião. Cheguei a esta conclusão: quando viajamos de barco só chegamos ao destino passados dias; quando viajamos de avião chegamos ao destino passadas horas.

O barco desatracou, fez-se ao largo e quando iniciou a marcha, já mal se via na noite; deu aqueles três toques de despedida: um som rouco, cavo, prolongado, que estremeceu comigo!

Pouco tempo depois, estava eu a embarcar. Felizmente não tinha ninguém no cais a despedir-se de mim. Olhava os meus companheiros de desdita e notei que alguns não conseguiam conter as lágrimas! Era a puta da vida.

Mesmo na hora da partida, abeirou-se de mim um Polícia Militar:

– Meu Furriel, está ali uma pessoa que quer falar consigo. Olho na direcção indicada e vejo o meu irmão Manuel, com a sua farda de Alferes, acenando-me. Fiquei parado, sem saber se havia de ir ou não ter com ele. Tinha andado a gozar com os meus companheiros e agora…

Aproximei-me dele, despedi-me, e só me lembro de lhe ter dito:

– Se eu ficar por lá… toma conta do meu filho... É teu afilhado!

E voltei-lhe as costas, limpando as lágrimas ao lenço. Já longe olhei para trás, ele fez-me um último aceno e desapareceu no meio dos familiares que aguardavam a partida do navio.