Ainda Viegas, Santo António. A Freguesia e o Padroeiro, 1ª ed., Aveiro, Maio de 2011, 160 pp.


II
Nosso Padroeiro Santo António


Os Milagres de Santo António


Os milagres de Santo António tiveram lugar já durante a sua vida, dão-se quando ele morre, continuam até hoje, e hão-de perpetuar-se pelos tempos fora. Iremos apenas narrar alguns dos actos milagrosos mais conhecidos atribuídos ao Santo. (Nota)

A par dos milagres, apresentaremos também lendas tecidas à volta da sua aura e relataremos algumas vivências autênticas, fruto da nossa fé e devoção a Santo António.


O incrível acontece

Próximo de Brive, em França, Santo António fundou uma pequena comunidade, cuja pobreza era extrema: faltava-lhes tudo excepto a coragem e o amor de Deus. Num momento de grande penúria, António pediu a uma senhora sua amiga que auxiliasse aquela sua pequena família, enviando-lhe algumas provisões. Ela acedeu de boa vontade e, apesar da chuva abundante e persistente que caía, disse à criada que levasse imediatamente a esmola ao ermitério. A criada obedeceu e, quando voltou, contou à patroa, com grande admiração que, apesar de chover a cântaros, não tinha caído em cima dela uma só gota de água, nem à ida nem à vinda.


Quebram-se os grilhões

Pelos meados do século treze a Itália tremia só ao ouvir o nome de Ezzelino, que deixava morrer de fome as suas vítimas nas prisões para onde as mandava lançar. Pádua tinha toda a razão para temer a mesma sorte, porque quando o tirano se apoderou, por violência, de Caste-Fonte, às portas daquela cidade, levou para o cativeiro reféns, entre eles um rapaz conhecido pela sua vida exemplar e inocente, neto do Senhor de Castel-Fonte e de Campo San Piero. Semelhantes desacatos aumentavam naturalmente o terror do povo.

Pediram a Frei António pelo jovem e o santo apressou-se a ir a Verona e, entrando no palácio do opressor, dirigiu-se-lhe ousadamente: – "Por quanto tempo, ó cruel tirano, tencionas derramar o sangue inocente? A espada do Senhor está suspensa sobre a tua cabeça e terrível será o seu / 123 / juízo quando cair sobre ti".

Os soldados de Ezzelino, escandalizados ao ouvir uma tão insólita linguagem dirigida ao seu amo, esperavam apenas um sinal dele para cair sobre o frade. Mas o sinal não foi dado. Antes pelo contrário, Ezzelino lançou-se aos pés do Santo e prometeu-lhe emendar-se.

– Parecia-me – dizia depois aos seus soldados – que os olhos daquele frade dardejavam raios de luz e que eu estava a ponto de ser precipitado no abismo do inferno".

António não deixou de aproveitar o poder que Deus lhe confiara sobre o espírito de Ezzelino para pedir, como reparação, a libertação de todos os reféns. Consta que Ezzelino, a pedido de António, restituiu a liberdade a Castel-Fonte e a todos os detidos.

Este tirano prometeu emendar-se mas, como veremos mais adiante, o mal estava tão arreigado em seu coração que, após o susto voltou à sua tirania.


Arrependem-se os pecadores

Um penitente do Santo chamado Leonardo de Pádua confessou-se de ter batido brutalmente em sua mãe e de lhe ter dado um pontapé depois de a atirar ao chão.

"O pé que bateu numa mãe merece ser cortado." foi o comentário do confessor. Comentário imprudente, como se verá, porque Leonardo, sendo homem rude e ignorante e tomando à letra aquelas palavras, quando voltou para casa pegou num machado e cortou o pé culpado, diante de sua mãe horrorizada, a qual, ao saber o motivo do procedimento do filho, correu pressurosa a censurar amargamente António.

O Santo aceitou as suas recriminações com humildade e acompanhou-a até sua casa. Chegando ali, pegou no pé cortado, adaptou-o à perna, fazendo o sinal da cruz; os ossos soldaram-se imediatamente, a carne sarou e o rapaz levantou-se perfeitamente são, dando graças a Deus e ao Taumaturgo franciscano.
 

Fogem os perigos

Os hereges de Rímini resolveram libertar-se do Santo. Convidaram António para um banquete e colocaram na sua frente comidas envenenadas. O Santo viu imediatamente o ardil que lhe haviam armado e censurou-lhes a perfídia. Os seus inimigos acrescentaram o insulto / 124 / ao agravo, apresentando-lhe um dilema ao qual julgavam que ele não poderia fugir. – "Ou acreditas nas palavras do Evangelho ou não acreditas. Se acreditas, por que hesitas em comer? Fia-te nas promessas de Mestre: em seu nome expulsarão os demónios; tomarão nas suas mãos serpentes e, se beberem qualquer veneno, ele não os prejudicará. Se não acreditas no Evangelho, por que o pregas? Portanto, toma e come; se nada te acontecer, juramos abraçar a fé Católica".
– "Pegar-vos-ei na palavra," – replicou o valente frade, – "não para tentar Deus, mas para vos provar quanto são para mim valiosas as vossas almas imortais e o triunfo do Evangelho".

Depois, fazendo o sinal da cruz sobre as iguarias colocadas à sua frente, comeu-as, sem que nenhum mal lhe acontecesse. Os seus inimigos cumpriram o seu juramento e voltaram-se para a religião católica, com todo o fervor.

Em São Juniano Frei António anunciou antecipadamente que o estrado que lhe tinham preparado ruiria, mas que não aconteceria mal a ninguém. O estrado abateu no momento em que o Santo principiava o seu sermão, não havendo contudo vítima alguma.


Até as bestas dão testemunho

Havia em Burgos um judeu chamado Guillard, que era dos mais ferozes inimigos do Catolicismo. Os eloquentes sermões de Santo António tinham-no impressionado, mas sem o convencer completamente. Uma vez teve uma longa discussão com Frei António sobre a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia, dogma que, em seu entender, era absolutamente inadmissível.

– Irmão António, – disse o judeu – tenho uma mula, vou encerrá-la e conservá-la durante três dias sem comer. Ao fim desse tempo levo-a a uma das praças maiores da cidade, e ali, na presença do povo, ofereço-lhe uma ração de aveia. O irmão, por seu lado, aparecerá trazendo a Hóstia que, segundo a sua opinião, é o verdadeiro corpo do Homem Deus. Se a mula recusar a comida que eu lhe oferecer, para se prostrar diante da custódia, far-me-ei católico.

Era um solene desafio e o Franciscano aceitou-o. Enquanto não chegava a data aprazada, o apóstolo entregou-se completamente ao jejum e à oração. No dia combinado, Guillard apareceu na praça acompanhado pelos seus numerosos partidários. Do lado oposto veio Santo António  / 125 / com a custódia que continha o Cordeiro de Deus. No meio da praça o Santo parou e dirigiu à mula estas palavras:

– Em nome do teu Criador que eu, embora indigno, tenho nas minhas mãos, ordeno e mando, ó ser privado de razão, que venhais imediatamente prostrar-te diante do teu Deus, para que, perante este milagre, os incrédulos fiquem sabendo que toda a criação está submetida ao Cordeiro que se imola sobre os nossos altares.

Ao mesmo tempo um dos do partido oposto oferecia aveia ao animal esfomeado. A mula, sem fazer o menor caso da comida que lhe ofereciam, obediente à voz do Taumaturgo, foi direita a ele, dobrou os joelhos ante a Hóstia Sagrada e ficou nessa atitude de adoração.

Ao presenciarem este evidente milagre, os Católicos atroavam o ar com os seus aplausos. O dono da mula confessou-se, vencido e, com toda a lealdade fiel à sua promessa, abjurou os seus erros. Muitos dos seus correligionários ali presentes, que sinceramente procuravam encontrar a Verdade, foram também recebidos na Igreja Católica.

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Os incrédulos tornam-se crentes

Um pobre leproso pediu que o levassem ao Santuário de Santo António em Pádua. No caminho encontrou um soldado que lhe disse brutalmente:

– Aonde vais, miserável? Caia a tua lepra sobre mim, se Santo António conseguir curar-te.

O leproso continuou o seu caminho sem fazer caso dessas palavras insultuosas, que não tornaram as suas preces menos fervorosas nem lhe diminuíram a fé. Santo António apareceu-lhe e disse-lhe:

– Levanta-te, estás curado. Mas procura aquele soldado que zombou de ti, porque a lepra já começou a devorá-lo.

O homem obedeceu imediatamente e encontrou o soldado a debater-se com o mesmo mal de que se livrara. Caiu em si o militar. Arrependeu-se, invocou o auxílio do Santo, de quem zombara, e ficou também curado.
 

Por todo o mundo aparecem as coisas perdidas

Toda a história de Frei António está repleta de maravilhosos favores concedidos aos que invocam a sua intercessão. Os tristes e os aflitos nunca se cansam de implorar o seu auxílio; e o Santo nunca se cansa de atender os pedidos que lhe fazem, como o atestam os inúmeros milagres que há cinco séculos Ele vem operando em todas as nações. O mais universal e o que mais irrefutavelmente autenticado está, até ao presente, é o dom que recebeu do céu, de fazer aparecer os objectos perdidos.

O facto foi severamente examinado pelos exigentes Bolandistas que acabaram por admiti-lo devidamente como verdadeiro; e tão constantes e diárias são as provas desse dom e tantas pessoas têm tido experiência pessoal deste poder de Santo António, que todos os dias se vêm juntar novos factos aos já conhecidos, confirmando assim a crença antiga e constante de que Santo António nada perdeu do seu poder.

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China - Aeroporto de Pequim

No ano de mil novecentos e noventa, estando nós de visita à China incorporados num grupo de gente de Aveiro, após termos permanecido alguns dias em Pequim visitando a lendária cidade, voltámos ao aeroporto, já nessa altura imenso e com um tráfego enorme. Fomos com bastante antecedência pois as pessoas estavam à pinha por todo o lado o que dificultava o trânsito do grupo que precisava, como é óbvio, de se manter unido. Lá fomos avançando lentamente atrás do guia que nos reuniu num ponto por ele escolhido, para nos fazer as últimas recomendações antes do embarque para Xiam. Uma das regras elementares ao seguirmos para qualquer viagem é ter os documentos à mão, para podermos apresentar, na polícia de fronteiras; muitas vezes os bilhetes são entregues ali mesmo pelo responsável do grupo.

A dada altura a pergunta habitual: – Todos têm o passaporte consigo?

Após uma resposta afirmativa quase unânime, surge uma voz aflita: – Não encontro o meu.

Ouviram-se conselhos de todo o lado. Buscas exaustivas por bolsos, carteiras, telefonemas para o hotel. Tudo em vão.

O que mais nos recomendara o guia local fora que tivéssemos cuidado com o passaporte; roubos de objectos pessoais eram muito raros, pois quem se atreve a cometer tal acto na China é severamente punido, podendo mesmo ficar sem uma mão. Agora no que tocava a passaportes... arriscavam tudo, mesmo o castigo mais severo. O povo chinês começava a ver a emigração, para qualquer parte do mundo, como a salvação e um passaporte era a chave do problema. Facilmente o falsificavam e tinham ali o salvo-conduto que lhes poderia permitir a longo prazo, levarem toda a família dali para fora, após o chefe se ter instalado / 142 / no estrangeiro. – Todo o cuidado é pouco. – dizia o guia. – Sem passaporte ninguém sai deste país.

Mas o passaporte do nosso companheiro não apareceu em lugar nenhum. O guia revelou-nos, nesse momento, uma outra realidade que nos deixou apavorados. Ali ainda ele conseguiria que alguém viajasse sem documentos pois a viagem era interna. Porém, quando tivéssemos de regressar, não ficaria retida apenas a pessoa que não tinha passaporte, mas todo o grupo que com ele viajava, sem apelo nem agravo.

Foi nesse preciso momento que me voltei para a janela com o fim de ter um pouco de privacidade e recolhimento. Saquei da pagela de Santo António que sempre me acompanha e benzi-me, para começar a rezar o Responso. Curiosamente, bem juntinho a mim, uma outra senhora tivera a mesma ideia; tínhamo-nos conhecido uns dias antes e ficámos amigas para sempre. Rezámos juntas, ambas cheias de devoção e ao terminar, fomos alegres, dizer ao implicado, ao guia e ao responsável que poderiam ficar tranquilos pois o passaporte iria aparecer. Não fizeram fé em nós, embora lhes explicássemos a razão da nossa certeza.

Embarcámos, depois de várias diligências do guia local que ali tinha conhecimentos. Fizemos uma viagem normal e ao chegarmos a Xiam, para nosso grande desconforto, o guia e o nosso colega foram directos à polícia, onde passaram o resto do dia, ficando o homem assim privado da visita que ali fizemos. Nós bem insistimos que não era necessário, mas quem não tem fé não acredita.

Já à noitita, estávamos na recepção do hotel, eu e a minha amiga sentadas em amena cavaqueira, aguardando a volta dos dois que demoravam a chegar da polícia, quando os vimos entrar totalmente abatidos. Estar quase um dia inteiro, numa esquadra chinesa, é dose para leão!

Tentámos sem êxito animar o coitado, procurando transmitir-lhe a certeza da nossa fé. O homem subiu ao quarto enquanto nós ali relaxávamos, tranquilas. Não eram passados vinte minutos quando vimos surgir do lado dos elevadores o nosso amigo, com o ar mais radiante do mundo. Ao ir mudar de roupa, casualmente, pegou numas calças pelo fundo, voltando os bolsos para baixo e algo caiu ao chão. Olhou a ver o que era e lá estava o passaporte, a rir-se para ele...
 

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Nota À semelhança do que fizemos anteriormente, apenas se reproduz uma pequena amostra desta segunda parte do livro.


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