Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro - 2006/2007


Ouvidora de Histórias

Aida Viegas

Uma Nova Figura

Tal como pingos de chuva em terra seca, que surgem e logo são absorvidos, eis alguns momentos fotografados pela lente da emoção e guardados no álbum das recordações.

Curtas vivências relatadas e ouvidas numa atitude de cumpli­cidade, de pessoas que gostam de comunicar e partilhar.

Histórias de algibeira, para serem lidas num cadeirão, com um grande balde de pipocas, ou numa esplanada à beira mar, diante de uma cerveja geladinha e um prato de tremoços.

Gostaria que, ao leitor, este conjunto de histórias se apresen­tasse como um cesto de cerejas, que, tal como elas, independentes e encadeadas, atraentes à vista e ao paladar, se deglutem num trago, e nos pedem sempre mais; e uma a uma, se vão degustando com redobrado apetite e satisfação, e a água a crescer na boca.

Como Ouvidora de Histórias, para além do escutar do relato de muitos episódios curiosos que comigo partilharam pessoas en­cantadoras, aconteceu algo muito mais gostoso e enriquecedor:

A surpresa declarada ao depararem com '"A Ouvidora de His­tórias", personagem nunca antes imaginada. – Contadora, Todos conheciam, mas Ouvidora? – O agrado do público expresso em fe­licitações pela originalidade e inovação do projecto. Os votos de êxito. O deleite espelhado no rosto dos contadores. O prazer e a emoção da partilha, e muito, muito mais...

A dada altura, aproximou-se um grupo de pessoas constituído por duas senhoras novas, uma menos jovem, e duas meninas que rondariam os sete, oito anos.

A palavra Histórias, com toda a magia que encerra, chamou a atenção das crianças, as quais, frente aos dísticos que me identi­ficavam, iniciaram a sua leitura, perplexas, quase soletrando: – "A Ouvidora de Histórias".

– O que é a "Ouvidora de Histórias", mãe?

Solícita, a mãe começou a explicar que Ouvidora seria quem ouvia, mas nunca tinha estado com uma Ouvidora.

Eu, atenta ao desenrolar da situação, pedi licença para intervir, afirmando que efectivamente estava ali para ouvir, não para contar, e perguntei às meninas se alguma delas quereria contar-me uma historinha.

Sorriram, olhando para a mãe, e encolhendo-se disseram que não.

– Estão admiradas, pois pensavam encontrar a contadora, e não a Ouvidora. – Acrescentou a senhora mais idosa.

– É muito natural. – Respondi. Enquanto oferecia, a cada uma das senhoras, um panfleto que especificava melhor a finalidade da minha presença, e quais os tipos de histórias que me propunha re­colher, acrescentei:

– Se as meninas, de momento, não se lembram de nenhuma história, talvez a avó, a mãe, ou a amiga tenham algum episódio curioso para me contar.

Responderam-me que haviam sido apanhadas de surpresa, e, por esse motivo, não lhes ocorria nada de interessante para parti­lharem comigo, embora lhes parecesse uma excelente ideia o meu desempenho, pelo que me felicitavam vivamente.

Após mais dois dedos de conversa, ofereci-lhes, como cos­tumava fazer, um pequenino rolo de papel com uma fitinha, que continha um poema da minha autoria, à escolha de cada uma, medi­ante o título. Porém, para a senhora de mais idade, resolvi ser eu a escolher o poema para lhe oferecer.

– Vamos ler. – Disse a amiga. E cada uma delas abriu o roli­nho, e começou a leitura silenciosa.

As duas mais novas acharam curioso o acaso ir fazer-lhes parar às mãos um tema tão do seu agrado.             '

A avó, com os olhos rasos de lágrimas, abraçou-se a mim a chorar, questionando como é que eu tinha adivinhado, que ela pre­cisava daquelas palavras.

E não parava de me agradecer.

Não deixei de me emocionar também, e chorar com ela. É frequente e inexplicável esta comunhão de pensamentos, que surge sem eu saber de onde.

E foi abraçada a uma desconhecida, entre lágrimas e sorrisos, que o meu marido, entre admirado e curioso, me veio encontrar.

o que ouvi e compilei não são histórias tradicionais, mas a essência de sentimentos, sensações, atitudes, estados de alma:

Simplicidade Camaradagem Eficiência Ternura Subtileza Ousadia Ingenuidade Astúcia Medo Insegurança Ambição Insolência Lógica Ignorância Desonestidade Esperteza Pânico Oportunismo Carolice Jactância Credulidade Humor Pressentimento Logro Dis­ponibilidade Tolerância Surpresa Prontidão.


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