Aida Viegas, Abandonar Angola. Um olhar à distância. Aveiro, 2002, pp. 209-213.


Angola

Em mil novecentos e setenta e quatro, Angola encon­trava-se em enorme desenvolvimento agrícola, industrial e comercial. As explorações mineiras haviam sido alvo de grandes investimentos. As fazendas de algodão, de café e a criação de gado nunca haviam estado tão prósperas.

Após o vinte e cinco de Abril os movimentos grevistas fizeram descer a produção até à paralisação quase total e a guerra civil acabou com a economia, com a produção agrícola, bloqueou o ensino, a construção civil, as pescas e todo o sistema económico e financeiro.

A desastrosa descolonização e a maneira apressada como o governo português concedeu a independência constituíram esse processo acabado de como se destrói um país com todas as condições para ser próspero, processo a que o mundo assistiu e continua a assistir com indiferença revoltante e confrangedora, essa fogueira onde é queimada a vida de um povo; fogo que quando parece começar a extinguir-se, é ateado por ventos funestos que sopram dos mais inesperados quadrantes.

Pode dizer-se que Angola no ano de mil novecentos e setenta e quatro estava pacificada e Portugal tinha boas condições para com o povo Angolano, planear uma independência onde todos ficassem a ganhar, no entanto assim o não quiseram os mandantes sem escrúpulos decretando, desse modo, a uma condenação, sine die aquele martirizado povo. Preocuparam-se em dar-lhe a inde­pendência, mas não se preocupam entretanto que um povo seja dizimado por uma guerra que foi fruto da sua incons­ciência e das suas decisões, enquanto senhores do poder, guerra da qual não se vislumbra o fim porque, agora como sempre, outros valores mais altos se levantam.

A grandeza deste imenso território, catorze vezes e meia maior que Portugal continental, a sua enorme riqueza em solo e subsolo possuidor de enormes jazidas de petróleo, ouro, diamantes, ferro... um dos maiores produtores de café do mundo, além do algodão, açúcar, sisal, banana e um infindável número de outras riquezas a explorar, associadas à ambição de outros povos, ditam o seu fatal destino.

Os acordos do Alvor e Mombaça nunca foram cumpridos.

Dado o contexto, nada nem ninguém poderia ter asse­gurado a permanência dos Portugueses em solo Angolano. Certo é que o bom relacionamento não nos deixava a salvo, embora os Portugueses que ali viviam nada tivessem contra o povo Angolano, antes pelo contrário, estimavam-no e gostariam de o ver crescer e prosperar com sua terra, a grande Angola.

Estava porém provado que não eram motivos pessoais que levavam os naturais de raça negra a insurgirem-se contra os brancos mas sim um conjunto de situações que haviam sido criadas, alheias ao comum dos cidadãos.

Era pois urgente abandonar Angola, não havia o mínimo de condições para ali continuar, no entanto, já nessa altura constatávamos que as maiores vítimas eram e con­tinuariam a ser no futuro os próprios Angolanos que iriam degladiar-se em lutas fratricidas, fomentadas do exterior, não de uma forma inocente, como é óbvio. Acredita Angola, fomos forçados a abandonar-te!

A revolta que os Retornados hoje ainda carregam dentro de si, situa-se muito para além de terem regressado despojados de todos os seus bens, problema que a maioria há muito superou, consiste sim no facto de todo esse despojo ter sido em vão. O povo que supostamente passaria a usufruir de toda a riqueza inerente à sua terra, acrescida daquela que os colonos tinham criado, em lugar de viver na abundância, vive na miséria porque lhe falta a paz que tanto tarda em chegar.

Angola é agora o país com a maior densidade de minas anti-pessoal por metro quadrado.

Os magníficos prédios que proliferavam por toda a parte estão na sua maioria sentenciados a serem implodidos tal o estado de degradação a que chegaram num curtíssimo espaço de tempo. Os campos foram abandonados, a rede viária descurada, os caminhos de ferro destruídos... Os jovens crescem na guerra e, pouco mais aprendem que a guerrear.

Dizia-se por graça que após a descolonização faltava sal em Angola porque os colonos haviam trazido consigo a semente. Hoje morrem à fome os habitantes duma terra tão rica e farta. Cremos que nos últimos tempos os recursos mais preciosos de Angola foram gastos em armas com as quais seus filhos foram alvejados, sua vida é destroçada de tal forma que não só o sal, mas até o peixe parece ter fugido do seu mar, o pão de suas bocas e a esperança do seu horizonte.

A riqueza foi transformada em fome, amputações, morte e destruição.

 

Oh! Terra bendita, que a natureza ornou de ouro e diamantes, revestindo-te as entranhas de lavas ardentes que no âmago do teu seio fecundam teu ventre de riquezas; envolve-te o sol num amplexo abraço de paixão abrasadora e a chuva apaga teu fogo intenso revigorando tua alma, a floresta, na imensidão das tuas planuras...

Quisera alegrar-me com teu povo na alvorada dum provir de ressurgimento e progresso, onde soprassem ventos de mudança e de ventura, mesclados na alegria dos teus batuques e nas máscaras de teus lendários feiticeiros.

Quisera, Angola! Ver-te crescer e eclodir, brilhar em novos horizontes de esperança onde a paz fosse uma cons­tante da vida e, um risonho futuro uma forte e segura certeza. Que a fome não corroesse tuas entranhas nem a guerra asfixiasse teus sonhos, sufocando-os à nascença. Choro-te Angola! No sofrimento das tuas crianças, na tristeza de teus jovens amputados por minas traiçoeiras, no desespero de tuas mães, na morte à mingua de tuas gentes, nessa terra bendita onde correm leite e mel.

Choro-te, ao lembrar tuas belas cidades devastadas, teus vastos campos que se tornaram improdutivos, semeados que estão de minas de morte, em lugar do pão.

Tu não merecias.., o teu povo não merecia...

Que a semente da paz renasça em teu seio, que cresça, se fortaleça e prospere para que os meninos voltem a sorrir, os homens a criar riqueza e os velhos a abençoar os vindouros.


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