11º Festival Nacional de Folclore (5º Internacional) - 15 de Julho de 1995 – pp. 12 a 15

 

D. Fernando II e Glória

voltará ao mar só até Lisboa

Fernando Martins

D. Fernando II e Glória, a fragata que durante 120 anos, mais concretamente, de 1843 a 1963, fez carreiras regulares entre Portugal e a Índia, com escalas em Angola e Moçambique, estava mesmo condenada a apodrecer nas águas lodosas do "mar da palha". A apodrecer e a desaparecer, inclusive da memória dos portugueses que, sendo gente afeita ao mar, nem sempre está interessada em preservar, de forma condigna, o seu passado. Que o diga o seu desinteresse, muito recentemente, pela recuperação, preservação e manutenção de navios que fizerem história na pesca do bacalhau. Contudo, o pouco que restava da fragata, construída nos estaleiros de Damão (então Índia portuguesa), sob as orientações de Gil José e Yado Simagi, a partir de 1832, e concluída em 22 de Outubro de 1843, segundo orçamento de 100.630.000 réis, foi atempadamente aproveitado para servir de suporte, mesmo que simbolicamente, à sua reconstituição. E ainda bem.

Um protocolo, celebrado há cinco anos entre a Marinha e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, tomou possível esta reconstituição, estimada em 850 mil contos, embora se admita que ultrapasse um milhão de contos, cabendo ao Estado a garantia de metade dessa verba e outro tanto às empresas que subscreveram o projecto, ao abrigo da lei do mecenato.

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Mas diga-se que este orçamento poderia facilmente atingir os dois milhões e meio de contos se a opção fosse respeitar com absoluta fidelidade os materiais de origem, em especial as madeiras. A fragata primitiva foi construída em madeira de teca indiana, proveniente dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, e na reconstrução actualmente em curso estão a ser utilizadas madeiras nacionais de azinho, carvalho, sobro e pinho manso, com uma excepção para o forro exterior do navio que será feito de teca africana.

Os seus primeiros 33 anos de vida foram dedicados ao transporte de carga, passageiros e degredados, tendo sido depois quartel de marinheiros, escola de artilharia, escola de marinhagem e sede da brigada de artilheiros. Funcionou a seguir, dois anos, como navio-chefe das Forças Navais do Tejo (em 1939 e 1940) e posteriormente foi / 14 / transformada em casa-escola de rapazes órfãos ou originários de famílias pobres. Assim se manteve até 1963, altura em que um incêndio pôs termo à Obra Social da Fragata D. Fernando, a tal instituição que recebia os órfãos. E, durante 30 anos, os que mediaram entre o incêndio e 1993, ali ficou ao abandono e à pilhagem dos que menos respeito têm por estas coisas do passado, por ignorância ou malvadez. Tábua a tábua, caverna a caverna, lá a foram desmantelando, perante a incúria dos responsáveis pelo património histórico do nosso país.

A fragata em reconstituição num estaleiro naval da nossa região, Ria-Marine, de mestre Alberto, sob orientação do Arsenal do Alfeite, sairá da barra de Aveiro pelos seus próprios meios, à vela, como facilmente se compreenderá, com destino à Exposição Mundial de Lisboa – Expo 98 –, após o que permanecerá fundeada no Tejo como autêntico museu vivo. Com cerca de 62 metros de comprimento, entre perpendiculares, e 12 de boca, e com uma lotação, por portaria de 1895, de 400 homens, a fragata D. Fernando II e Glória será, sem dúvida, uma das principais atracções da Expo 98. E para que o seja de facto, a conservadora da Fundação Calouste Gulbenkian, Manuela Soares de Oliveira Mota, está a proceder às necessárias pesquisas, com vista ao seu rigoroso apetrechamento interior. Também o comandante Reis está a trabalhar na construção e restauro de peças e instrumentos de navegação, havendo ainda a garantia da Associação Nacional de Farmácias reconstruir a botica e o camarote do médico de bordo. Refira-se, ainda, que o coronel Nunes dos Santos efectua estudos e desenhos de peças (canhões) que irão enriquecer a fragata.

Para além das pesquisas e estudos de / 15 / especialistas, a reconstituição da fragata D. Femando II e Glória contará, também, com o trabalho de memória dos antigos alunos da Obra Social nela sediada, sobretudo na ajuda à definição de todo o espaço habitável. Porém, depois da Expo 98, a fragata continuará condenada a sonhar apenas com o mar alto, pois que, para se fazer às ondas e mostrar ao mundo alguns vestígios do nosso passado glorioso, necessitaria de uma guarnição de 60 homens, fardados a rigor e à época da fragata original. Tudo isto, mais equipamento, alimentação e remunerações, importaria em cerca de 200 mil contos por ano, o que talvez seja incomportável para um país como o nosso, com tantas carências.

 
Para mais informações acerca deste barco, consultem-se as páginas:

Fragata D. Fernando II e Glória

 

 

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