Vamos tentar contar um pequeno episódio
dos muitos a que assistimos em tempos distantes, tempos em que
ainda não havia nos bacalhoeiros, telegrafia, telefonia, sondas,
gónios e outros aparelhos que só há pouco começaram a ser utilizados nesses barcos. E arrastões, só franceses havia,
e mesmo assim, poucos.
sem comunicações
Lembro ainda, de quando era rapazola, a chegada de cartas vindas
dos bancos. Era um alvoroço em Ílhavo. Todos corriam a casa dos que
tinham a dita de receber alguma carta, para saberem
notícias dos seus.
Nessa época, as cartas eram entregues nos bancos
a qualquer barco que
por ali passava na sua viagem e que fazia o favor de parar a pedido
dos capitães dos bacalhoeiros, para lhas levar e as enviar do
primeiro porto em que tocasse, pondo-as no correio sem
selo. Depois, era a chegada destas desejadas cartas ao seu destino,
passado muito tempo (pois não havia correio aéreo) e com a multa
regulamentar, que nesse tempo era de $50, ou seja, o dobro da
franquia nacional, mas que os familiares pagavam com grande
alegria...
A chegada dos navios aos portos ou em frente às barras só era
conhecida quando eles apareciam à vista.
Na primeira viagem que fizemos aos
Bancos da Terra Nova,
deu-se um caso que mostra bem o que era a falta de comunicações.
Seguimos como piloto no palhabote «Nazaré 2.º»,
cujo capitão era o
falecido Fernando Matias, o «Parracá». Em outro dos navios
portugueses, um novo lugre denominado «Ariel», eram capitão e
piloto, respectivamente, os saudosos capitães Manuel Labrincha e
Chico Calão.
Os capitães dos dois navios, durante a pesca, resolveram trabalhar
em conjunto, acompanhando-se sempre em qualquer /
37 / «emposta», até que tiveram de ficar a concluir a campanha de pesca,
durante bastante tempo, nos baixos denominados Virgin's Rocks,
principalmente no «Main Leige», o baixo principal, como o nome
o indica.
Esta demorada estadia deveu-se ao facto do
«Nazaré 2.º» estar
privado de suspender o ferro constantemente, como era preciso quando
a pesca se fazia fora daquele local, porque algumas peças do
molinete, os «macacos», rebentavam com facilidade, e só havia a
bordo as que estavam montadas no referido aparelho de suspender a
amarra.
E por ali se ficaram os dois navios, sozinhos, sem saberem se os
outros barcos já teriam ou não largado para o seu regresso a
Portugal. Nesse tempo, depois do dia 5 de Outubro, nenhum navio
português ficava nos bancos, mas aqueles dois continuaram ali até ao
dia 25 desse mês, esperando que a pesca melhorasse e atenuasse a
fraca pesca que tinham feito até então.
Tal facto foi até cantado pelos pescadores, quando nos botes,
durante a pesca, com o seguinte quadra:
Este ano não há peixe,
Esta vida não está má,
Ficam de guarda ao Main Leige
O Labrincha e o Parracá.
No dia 25 de Outubro, já com o vento a
refrescar, vimos o «Ariel»
com a bandeira nacional no topo, sinal de que ia suspender para a
largada em direcção a Portugal.
Imediatamente, o nosso capitão deu também ordem para levantar o
ferro e foi içar a nossa bandeira. Foi grande a alegria sentida por
todos.
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