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Destes «quartiers», os que mais sofreram foram os de Founti, Talbordj e Nouvelle. Este último era o mais moderno, composto de prédios de vários andares e dos edifícios públicos. Sendo a população da cidade de cerca de 50.000 habitantes, sabe-se que o número de feridos foi de 2.500, e o dos sobreviventes de 20.000, portanto, os restantes, coitados, ali ficaram sepultados naquela linda cidade, que foi um dos paraísos turísticos de África.

Verdadeiramente pavoroso tudo aquilo!

Nessa mesma manhã de terça feira, dia de Carnaval, conseguimos, por intermédio do Sr. Pires, telegrafar para as nossas famílias.

Fomos hóspedes da família da nossa dactilógrafa, passámos a noite de terça para quarta feira numa barraca de campismo, vimos bandos de abutres sobrevoarem a área da morte, aviões de todos os cantos do Mundo a aterrar e a descolar transportando muitos feridos e o tempo foi passando, sentindo-se de vez em quando ligeiros tremores sísmicos. Vimos os sobreviventes a abandonar a cidade, transportando por todos os meios camas, cadeiras, roupas, etc.

Fomos testemunhas de cenas arrepiantes, ouvimos relatos confrangedores!

Era uma vez Agadir... Adeus, Agadir! Um prolongado e hórrido pesadelo.

Até que, na quarta-feira, às 17,30 horas, a instâncias do gerente da fábrica e no seu automóvel, fizemos a viagem de regresso, conduzidos por um francês, muito ruivo, que é empregado da fábrica.

Ao atravessarmos aquilo que foi Agadir, vimos tropas marroquinas, francesas e americanas, bem como marinheiros franceses que ali tinham arribado em 18 vasos, que faziam o transporte dos cadáveres. Essas brigadas de salvamento traziam lenços a tapar a boca para não serem contaminados por possíveis epidemias provocadas pela rápida decomposição dos cadáveres, quiçá acelerada pelo calor que se fazia sentir.

Presenciámos montões de mortos nos baldios da cidade, cobertos com lençóis ou outros farrapos, alguns até com esteiras. Entretanto, caterpilares gigantes iam abrindo valas de grande comprimento, que serviriam de sepultura àqueles milhares de vítimas.

Apesar de horripilados, tivemos ainda ânimo para tirar algumas fotografias, antes de sairmos da cidade.

No regresso, topámos com veículos, os mais diversos, uns conduzindo tropas, outros carregando gado cavalar e lanígero para manutenção dos salvadores. O governo marroquino mobilizara todos os engenhos agrícolas e de construção, para proceder ao / 31 / arrasamento das ruínas e decretara a pena de morte para aqueles que, servindo-se da ocasião, fossem encontrados a pilhar.

Foram salvas muitas pessoas que jaziam emparedadas no Hotel Saada, bem como noutras habitações.

Nós!... Nós é que não teríamos essa sorte, porque os dois quartos que o gerente da fábrica nos arranjou no Hotel Marhaba, foram precisamente os que desabaram, tendo a parte restante do edifício ficado quase intacto.

Fomos muito felizes no meio de toda a tragédia, pois até as nossas bagagens se salvaram totalmente.

No percurso de Agadir a Mogador, tive, então, ensejo de avaliar a periculosidade da estrada, que lembrava uma montanha russa!

Desfiladeiros constantes, curvas e mais curvas e o carro em que regressávamos a chiar. Chegámos a aventar que, escapados da tragédia de Agadir, não escaparíamos desta viagem. Porém, chamada a atenção do motorista, foi a marcha abrandada e lá nos tranquilizámos mais. Curvas e curvas, avistando-se aqui, troços da via por onde há instantes tínhamos passado, acolá, entre precipício medonho, o prosseguimento da estrada, para avistá-la novamente mais acima, num planalto.

E nas ravinas, «arganiers» – árvores marroquinas das quais se extrai um óleo muito apreciado pelos árabes –, de cujos ramos pendiam cabras e carneiros, pastando a verdejante folhagem.

Fez-se noite. Interrompemos a viagem em Sidi Smail para uma ligeira refeição. Retomada a viagem, chegámos a Casabranca à uma da madrugada.

Permanecemos nesta cidade até sexta-feira. Às quatro da tarde desse dia tomámos o avião e chegámos a Lisboa por volta das dezanove horas.

Éramos esperados, no aeroporto, pelo nosso Gerente-Delegado, Ex.mo Sr. Egas Salgueiro, cuja grata presença muito nos desvaneceu, a quem apresentámos os nossos cumprimentos e sinceros agradecimentos pelos cuidados e apreensões que tivera por nossa causa, quando teve conhecimento da catastrófica ocorrência. Éramos aguardados, também, por alguns jornalistas e repórteres da Rádio e Televisão que nos entrevistaram.

Dirigimo-nos, em seguida, paro o Hotel Tivoli, onde jantámos na companhia amiga do nosso Gerente, do Ex.mo Sr. D. Diogo Passanha e da Esposa do Sr. Carlos Grangeon. Passada a noite no Tivoli, pudemos, enfim, chegar até junto das nossas famílias e amigos que nos esperavam ansiosamente.

E tudo passou, como um sonho mau, como um pesadelo daqueles que só se podem sentir uma vez na vida.

 

 

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