Fidalgo — Boas noites, Leonor!
Tricana — Oh! Boas noites!...
Fidalgo — Que graça que hoje
levas,
Nem sei se há graça igual na Beira-Mar.
Tricana — Desconte um pouco à luz
do seu olhar,
O efeito produzido pelas
trevas...
Fidalgo — Não gracejes, esquiva
impenitente...
Tricana — Eu esquiva, senhor?!
Fidalgo — Sabe-o toda a gente...
Sim, Leonor: esquivas ao meu
amor.
Tricana — Ora! Lá vem de novo com
as queixas.
Fidalgo — Vá... Tem no meu amor
alguma fé.
Tricana — Por mais que cante
essas canções lamechas
O senhor não é chinela p'ró meu
pé.
Fidalgo — Deixa-te disso. Bem
sabes
Que tu não tens razão
E que, afinal, toda inteirinha
cabes
Muito cá dentro, aqui, no
coração.
Tricana — Não faça pouco da
pobreza... Deixe seguir quem segue...
A vida é redentora,
Filha de pescador que vende
peixe,
Nunca pode chegar a ser senhora.
Fidalgo — Não sejas má. Escuta o
que te digo:
Minhas promessas, crê, não são
chalaças.
Serei talvez o teu maior amigo...
Tricana —
(à parte)
Não é com essas loas que me caças...
Fidalgo — Dar-te-ei meu coração, meu braço rude.
Dar-te-ei meu nome até com
alegria,
Uma casinha, um lar risonho...
tudo
Que valha mais que a minha
fidalguia.
Tricana — Cautela, cautelinha!...
Então que raio de confiança é
esta?
Não se faça parvinho,
Olhe que eu não me ensaio
p'ra lhe dar com o caneco no
focinho...
Fidalgo — Tonta. De que é que
vale toda essa zanga?..
Diz lá se o teu rubor tem algum
jeito;
Tentava apenas segurar-te a
manga,
Para te chegar mais junto do meu
peito. Olha, Leonor:
Quero dizer-te aqui tudo o que
sinto;
E aceita desta vez o meu amor.
Podes crer, Leonor, que não te
minto.
Não sei dizer se te amo... Sei
apenas
Que mal te vejo e em ti o olhar
concentro
Sinto não sei que esvoaçar de
penas,
Que me fazem chamar, por ti, cá
dentro.
Será isto amor, será adoração
Ou outro sentimento que ande a
esmo?!
Nunca escutaste a voz do coração!
Tricana — É a voz do amor... Eu
também sinto o mesmo.
Fidalgo — Nunca ouviste no peito
uma harmonia,
Que é mais contentamento do que
mágoa
E que nos faz lembrar a sinfonia,
As orações da fonte a deitar
água?!
Tricana — Sim... Não sei bem...
Não sei... Talvez...
Parece que não tenho palavras
p'ra falar!
O amor... O amor é como a água de
uma fonte,
Nasce nos longes dum monte,
Cresce, cresce sem cessar
E vem morrer, em síncope, de
prece,
Desfeito em pranto e dor no nosso
olhar.
Fidalgo — Enfim, Leonor, és
minha! Agora vejo
Que tu sentes como eu igual
fervor,
Beijo ardente a pedir um outro
beijo,
Ardente amor pedindo o mesmo
amor.
É que o Amor, o verdadeiro, é
prece
Que sai da linda boca que a rezou
E vem morrer, em beijo que
enlouquece,
No beijo doutra boca que beijou.
Tricana — Sim, sou tua! Há muito
que sentia
Meu coração chamar-te em alta
voz... Mas minha Mãe dizia:
“Toma tento. Olha que ele é mais
que nós...
O que ele quer, eu sei...
Engana-se, ólari!
Eu não consinto nem consintirei
Que ele adregue fazer pouco de
ti".
E eu, confrangida, os olhos a
chorar
E o coração votado ao desamparo,
Já nem queria cear...
E a noite, amor, passava-a toda
em claro.
Fidalgo — Deixa-te disso agora.
Vem comigo,
Então, Leonor, então?!... Não
chores mais...
Para veres que sou teu melhor
amigo,
Vou pedir a tua mão, hoje, a teus
pais.
Dás licença, Leonor? (tira-lhe o
cântaro e parte-o)
Tricana — Que disparate!... De
certo está tolinho!...
Fidalgo — É que vais ser
condessa, meu amor,
E não te fica
bem o cantarinho.
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