A TRICANA DE AVEIRO

A Lenda de uma História (verídica)

 

HOMEM CHRISTO

 

Não há baboso nenhum, da terra ou de fora da terra, que não componha, com termos hiperbólicos, ditirambos em honra das tricanas de Aveiro. Eu sou pouco de lisonjas, porque sei quanto a lisonja, além de ser vil, estraga os homens e as mulheres. Raramente falo nelas. Mas, quando falo, faço-lhes a justiça que merecem.

Todas as mulheres desta região marítima são bonitas.

Mas as mais finas, as mais elegantes, as mais insinuantes são as de Aveiro. Sempre tiveram essa fama. E pela sua beleza conseguiram muitas delas casar com homens da classe superior.

O mais célebre destes casos foi o do Marquês de Castelo Melhor. Contava-se que o marquês viera a Aveiro para ver a terra onde nascera a sua mãe, creio que filha do marquês de Ponte de Lima. Gostou da terra, gostou sobretudo das mulheres, voltou uma, duas, três vezes, e, por fim, foi-se definitivamente embora, levando consigo uma bela, lindíssima mulher, que eu muito bem conheci, e de tal forma apaixonado que se dispôs a casar com ela, o que não fez por a morte o ter surpreendido, de repente, três dias antes do que estava marcado para o casamento.

Eu sabia isso muito bem, pelas relações de intimidade e parentesco que tinha com pessoas da família da nubente, uma sua sobrinha, muito linda, também essa, — era uma dinastia de lindíssimas mulheres — casara com meu irmão mais velho.

Sabia isso muito bem. Mas tive a confirmação da boca do Conde de Figueiró, primo do Marquês, António de Vasconcelos, durante um almoço no Paço das Necessidades, a que eu assisti como comandante da guarda. A Rainha Maria Amélia, sempre muito faladora, principalmente quando o Rei não estava, e era o caso nesse dia, contava as impressões que recebera da filha do Marquês, a qual, na véspera, acabado o período da sua educação no estrangeiro, fizera, pela primeira vez, a sua apresentação no Paço. A Rainha achara-a muito simpática, tímida, mas sem gaucherie, e, voltando-se de repente para o Conde de Figueiró, interrogou:

— Sempre é certo, Conde, que o Marquês estava para casar com a mãe quando morreu?

— Sim, minha Senhora. Até já tinha pedido licença para isso a Sua Majestade EI Rei, o Senhor D. Luiz, que lha concedera.

— É notável a gentileza e o ar senhoril daquelas mulheres de Aveiro. Como a ama do príncipe, por exemplo, pisava uma sala!

A ama do príncipe era a Florinda Pirré, mulher do Francisco Maracas, que o Artur Ravara, muito bairrista, levara para o Paço.

Não havia, pois, que duvidar. A linda Isabel de Almeida, filha do pescador, deixou, por três dias, de ser marquesa de Castelo Melhor, um dos títulos mais históricos do nosso Portugal. A filha, depois condessa da Ribeira, veio a suicidar-se em Londres, mais tarde. Não se esqueceu, o que é uma virtude, de que era neta do pescador. Em casa de meu irmão há uma fotografia dela, já mulher, mas solteira ainda, com esta carinhosa dedicatória: Ao meu querido avozinho, com mil beijos e um grande abraço da sua neta muito, muito amiga e obrigadaMaria de Vasconcelos e Sousa.

Pobre senhora! Talvez houvesse sido mais feliz se tivesse ficado, apenas, Maria de Almeida, a neta do pescador!

Esse é o caso mais notável do poder sedutor das mulheres de Aveiro. Mas quantos mais!...

            In: "NOTAS DA MINHA VIDA E DO MEU TEMPO"


 

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