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O
conjunto da Fonte dos Amores em meados do século XX. |
Com os tempos mudam-se as
vontades. E, por vezes, as próprias referências de imagem. Se assim
acontece com as pessoas, também acontece com cada Praça, ou Largo, cada
Rua ou Bairro. Naturalmente, assim foi com esta que, até ao início da
década de 1980, apenas dava pelo nome específico da sua primeira função
como entrada mais rápida e caminho mais largo na aproximação a Ílhavo.
Era, até então, a Rua de Ílhavo uma longa estrada que fazia a
saída facilmente da cidade, nela aparecendo ainda poucas construções
novas inseridas entre quintais e casas térreas de feição agrícola.
Praticamente não apresentava nada de comércio nem de indústria, de
serviços ou de apoios primários à vida social e à urbanidade. E
funcionava de verdade como a única entrada livre, já que, no geral,
todas as outras estavam mais ou menos estranguladas pela passagem da
linha férrea. A controlar essa “entrada obrigatória" tinha-se levantado
o posto da tão terrível Polícia de Viação e Trânsito, ali implantado no
espaço central antes da bifurcação para a rua de São Sebastião (sentido
norte) e para a rua Araújo e Silva (no sentido poente/norte).
Desafiadores e naturalmente autoritários como o regime que os suportava,
aí estavam os polícias, gorduchos e de grandes bonés, postos de plantão
ao jeito lobos maus da fita. Por trás do posto da PVT ergueu-se, na
década de 1960, o conhecido “arranha-céus" de Aveiro que funcionava como
o baluarte limite do espaço citadino.
A nascente, esquecida do
tempo e em cota de nível inferior, ficava a seiscentista fonte da
Benespera, recanto acolhedor de namorados que, por isso mesmo, se foi
mudando, na tradição, em Fonte dos Amores, com os seus tanques de
água para lavadouro de roupas finas, encimados pelo brasão de armas de
quem teve a iniciativa da sua construção e dela esperou a consideração
dos aveirenses. Com novas e afrontosas construções sobre a fonte e sobre
a captação das suas águas, entendeu a municipalidade, pelos meados da
década de 1980, evocar essa velha fonte transferindo-a para o lado
contrário. Assim se perdeu a leitura do seu enquadramento urbano e
também da mensagem cristã que a protegia e que, ao mesmo tempo,
convidava os utilizadores da água a darem, por ela, graças a Deus.
Tal como aconteceu com esta
relíquia do passado aveirense, outras deste espaço e rua se foram
alterando, dando lugar a novas formas urbanas. Excepção de relevo, no
entanto, é a sede da Junta de Freguesia ao aproveitar e valorizar um
edifício de viragem de século (talvez já do princípio da 2ª década) que
é um marco de influência nórdica no casario desta cidade, com frisos
azulejares de diferentes temáticas a darem-lhe um ambiente de conforto
burguês.
A seu lado, depois de muitas
peripécias quanto ao local onde poderia ser a sua nova sede, levantou-se
o quartel dos Bombeiros-Velhos, em amplas instalações, dando resposta a
uma das mais eméritas associações humanitárias de voluntarismo, então a
celebrar um século de existência ao serviço da comunidade.
Mais adiante e do mesmo
lado, mantém-se um dos ex-libris do crescimento de Aveiro pelos
meados do século XX, hoje mais decorativo que real, mas que se deverá
manter a bem das referências do nosso planeamento urbano − o depósito
da água, até porque é, no seu género, uma bela peça do património
arquitectónico.
E poder-se-ia dizer quase
que outras casas com história não havia, se não houvesse a certeza de
que, desde que haja homens há História. E então, lá estão, ainda, uma
casa da tardia "casa portuguesa" (ao lado direito de quem sai), como
esteve até há bem pouco uma "vila” de tipo colonial e belos painéis de
azulejo (em frente ao depósito da água). Mas importa lembrar os mais
novos que, bem perto destas evocações, já em edifícios de propriedade
horizontal, funcionaram as principais actividades da jovem Universidade
de Aveiro, passando a ser também aí o lar das Universitárias, a
biblioteca, etc. Entretanto, também o CET, ali ao lado, deu uma ajuda no
crescimento... E, com muitas alterações, a rua era já pelos meados dessa
década de 1980, lugar cobiçado para alojamentos. Atrás dos alojamentos e
de outros serviços vieram os cafés, as padarias e os restaurantes, as
lojas e os escritórios, os novos projectos urbanos rasgados à direita e
à esquerda, sobretudo na sua ligação ao bairro de Santiago. Assim foram
aparecendo… (diferentes casas comerciais, algumas das quais ainda
existentes em 2017).
Então, viver no Eucalipto,
era estar fora, bem fora da cidade, lá para a freguesia, de Aradas.
Mas a rua cresceu em
ocupação e em altura, rematando-se no cruzamento do Eucalipto no canto
norte-nascente, com uma torre de alto porte e acentuado volume, como
primeiro suporte das quatro que funcionarão como autênticas portas da
cidade, nos princípios do segundo milénio
De rua pacata − que o era
até há bem pouco tempo, de noites calmas e madrugadas silenciosas −
apenas buliçosa e barulhenta nas vésperas da tradicional "praça” (no
mercado Manuel Firmino), esta artéria da cidade converteu-se em espaço
de constante vaivém, no dia-a-dia, e de difícil circulação quando há
Beira-Mar com todos os ingredientes de verdadeiro “derby”.
Vão, pois, longe os tempos
da rua calcetada a paralelos e de margens estreitas. Como longe vai a
toponímia que tão bem definia a rua que nos encaminhava para Ílhavo.
Hoje, evoca o nome de um médico, notável aveirense no domínio das letras
e das ideias, mas sobretudo um vulto de coragem, de antes quebrar que
torcer em defesa dos ideais democráticos − Mário Sacramento. |