Emília Almeida desde nova sabe o que é fazer o sal. Aos
20 anos de idade veio para Aveiro, onde começou a sua vida. Cedo
conheceu o trabalho nas salinas e para trás ficou o gosto de andar
na escola. Casou e dedicou a sua vida ao sal e à família.
Emília Almeida nasceu em Águeda, há 82 anos. Lembra-se
muito bem do seu tempo de escola. Estudou apenas até à 3ª classe e
recorda que aprendeu pelo "Livro Tostão". Diz com humildade: «Não sei como é que
aprendi aquilo tudo. Sei que, quando entrei para a escola, já conhecia o
livro todo». Recorda-se perfeitamente do seu primeiro dia de escola: «Quando a minha mãe
me foi matricular, a professora achou-me com capacidade para passar logo
para a 2ª classe. E fui.» Com apenas 12 anos, Emília Almeida foi obrigada a sair da
escola. Teve muita pena, pois era muita a vontade de aprender. Depois da
morte de seu pai houve que ficar em casa a tratar da irmã mais nova. Diz com muita tristeza: «Já não pude estudar
mais. E eu gostava tanto de ler! Ainda hoje gosto».
Com vaidade diz que nunca deixou de aprender porque sempre leu muito. «Hoje
ainda leio e aprendo, mas não com tanta facilidade.
«Aos 20 anos vim viver para Aveiro»
Na beira-mar conheceu o homem da sua vida. Aos 25 anos,
tornou-se sua mulher. Ele tinha 30 anos, era viúvo com dois filhos
pequenos que quase não conheceram a mãe. Juntos tiveram mais dois filhos. «Criei-os todos como se fossem
meus».
O marido de Emília Almeida era marnoto e ela doméstica «Não
trabalhava fora de casa, só quando era a altura da botadela é que
eu ia ajudar. Eu gostava tanto!». A botadela era o início da fabricação
do sal. «Fabricar o sal dá muito trabalho, só quem sabe daquilo o
consegue fazer». Emília Almeida recorda com muita saudade a botadela. Afirma-se como sendo uma mulher alegre e adorava ir para a botadela. «Dava-me gosto ir para lá». Fazer o sal é um trabalho muito moroso
e requer muita minúcia. A primeira etapa é a preparação da marinha. «Os muros e o chão são preparados com muito cuidado. O
chão é alisado e amaciado com o círcio.»
Diz nada perceber de sal, mas a voz que falou revelou muita sabedoria sobre o
que eram aquelas tarefas. Embora as caracterize como árduas, tudo o que exprime cobre-se de uma leveza e de uma satisfação. «Aos fins-de-semana os
rapazes e as raparigas também iam e era uma festa. Dançavam todos na
eira». Emília Almeida diz que era tudo muito saudável e que, «quando
chegava a hora do comer, tinha tudo um gosto tão saboroso, que nem sei explicar.» Mas parece impossível explicar muito
melhor, porque, como diz Emília Almeida: «Só quem viveu aquilo sabe o
sabor que tem».
«Bacalhau, chicharro de par e sardinha escachada, tudo bem demolhado / muito bem temperado, com muito azeite e muito alho.
/ A mesa já estava posta em alvas toalhas no chão, / Em cima
do feno seco, / Parecia mesmo um colchão».
Emília Almeida descreve com termos precisos o que era a
fabricação do sal, mas ao mesmo tempo deixa escapar entre as palavras
alguma nostalgia e muita, mas muita tristeza. É com essa tristeza que
hoje é uma poetisa.
«Ah! Que saudades eu tenho dela! era bom e acabou-se... /
era assim a botadela!»
«Aquilo era muito bom de ver e de viver»
O que entristece Emília Almeida é ter assistido à morte
lenta das salinas. Gosta muito do sal. Talvez até no comer o sal lhe tenha um sabor diferente. Hoje, o
sal já não tem o mesmo valor de antigamente. «Agora é diferente. Quase
não se usa sal». Diz gostar muito da comida a saber-lhe bem e que o sal
é o principal sabor que a comida pode ter. «Aqui no lar quase não põem
sal. O comer nem me sabe».
De um espírito crítico muito apurado, Emília Almeida não
deixa de responsabilizar a tecnologia
−
frigoríficos, arcas
−
como a
principal culpada pelo desaparecimento do sal. Com
saudade recorda o salgar do porco e os barcos que saíam de Aveiro,
carregados de sal para todo o país. A tecnologia faz desaparecer muitas
coisas boas, que deixaram saudades. É isso que Emília Almeida lamenta. É
o preço da era moderna. Quantas são as pessoas que recordam com saudade
e se entristecem ao lembrar dos montes de sal e do trabalho das
marinhas!
Aveiro, a terra do sal. Há quanto tempo se perdeu o seu
objecto identificativo? Apesar de tudo, para sempre ficarão na memória
dos aveirenses as salinas, os montinhos de sal, os marnotos e as
salineiras. |