Nem
sempre os documentos dão as respostas certas para as nossas angústias
sobre os acontecimentos do passado, as quais se não confinam apenas aos
nomes e às datas.
No caso
desta rua, mesmo que assim não conste expressamente, gizada estaria ela
desde o tempo em que o Quartel ali começou a ser esboçado, pela lógica
das estratégias militares, pois que um quartel desta envergadura e com
tais objectivos deveria estar próximo da estação do Caminho de Ferro,
por questões de logística e, também, sendo possível, num amplo
enfiamento do horizonte de tiro, para eventual controlo de quaisquer
movimentos insurreccionais que, ao tempo, fervilhavam com alguma
regularidade.
Assim
sendo, a rua teria brotado da mente dos aveirenses com a ideia do
quartel, para só vir a tornar-se realidade pelos últimos anos de
Oitocentos ou, melhor ainda, já no alvorecer do século XX. Então,
desbravando quintais à esquerda e à direita, alguns aveirenses mais
afoitos se aproximaram, numa "rua” de segunda, daquele que passou a ser,
pelo final do século XIX, o principal ponto de contacto entre a
burguesia local e o exterior, nacional ou estrangeiro! Era assim que era
vista a Estação!
Quer
isto, portanto, dizer que, rasgada a partir do eixo antigo que era a
“estrada real” entre Aveiro e Esgueira, aí estava um arruamento moderno
pronto a receber chalets e moradias ao gosto da época, tendo
chegado até aos tempos presentes algumas dessas marcas, sobretudo da
década segunda e pela terceira do século XX. Não eram, propriamente,
casas de primeira grandeza nem de inquestionável valia arquitectónica
pois que, projectos maiores se perspectivavam para outras áreas, como
acontecia pela Avenida (que viria a ser de Lourenço Peixinho).
Foram,
pois, em geral, casas comuns para actividades diversas, as quais têm
vindo a desaparecer dos quadros mentais dos aveirenses, depois de
riscadas da memória visual. Ficaram no entanto uns poucos exemplos, de
entre os quais se relevam, com características diferentes, o chalet
de D. João Evangelista e, em frente, a casa do "brasileiro" Francisco
Rebelo dos Santos, verdadeira jóia de arte nova do património da cidade,
cheia de encanto na policromia e na elegância da sua fachada, destinada
a albergar uma padaria no seu rés do chão.
De resto,
regularizada a rua, diversos interesses comerciais por aqui se
estabeleceram, rematando no terminal sul com a Casa Barros
(pensão) e o Hotel Avenida, duas unidades complementares a darem
resposta aos visitantes de Aveiro, ambas a denunciarem a evolução
gramatical da arte nova para a Deco.
À vista
destas se abriu a primeira e mais importante sala de visitas da cidade,
ornamentada com belos painéis historiados com sugestões turísticas
aveirenses, confeccionados na Fonte Nova e assinados pela dupla Licínio
Pinto e Francisco Pereira.
É perante
tais painéis que se nos oferecem algumas reflexões sobre quão distantes
andamos do bom gosto de outros tempos, quando a cidade campeava nas
artes cerâmicas e os poderes públicos incentivavam esse consumo
granjeando simpatias gerais.
Mas há
mais. Quanto ao nome, sem outros critérios que não fossem as simpatias
dos correligionários, que razões de peso terão levado os políticos da
nossa terra, em tempos antigos, a darem um tal nome a esta nova rua? É
que Cândido dos Reis não foi um chefe de Estado nem sequer um chefe de
partido organizado. Foi essencialmente um republicano confesso e
destemido que em tantos projectos de cariz antimonárquico e anticlerical
se empenhou a fundo, na convicção e pela determinação de fazer triunfar
o republicanismo como forma superior de combate a esses males endémicos
da sociedade portuguesa.
Apesar de
tudo, não foi sequer um condottieri bem sucedido já que, como
responsável da organização da revolta republicana finalmente marcada
para o dia 4 de Outubro (1910) − revolta que anteriormente fora forçada,
por várias vezes a adiar-se −, não resistiu à ideia de que esse
movimento pudesse ter sido um fracasso. Aparecendo morto, nesse dia,
ganhou peso a ideia de que se tratasse de suicídio, ainda que outras se
levantassem. Do que reza a História, foi mais um lutador convicto pelos
seus ideais a quem os republicanos mais aguerridos entenderam dever
imortalizar pela persistência da sua luta. |