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AVEIRO

CORRENDO a terra portuguesa, de lés-a-Iés, sentimos as suas Variantes profundas, quer na paisagem quer na índole dos seus povos.

Há como que uma identificação entre o carácter individual e o meio que o cerca.

No Alentejo, por exemplo, onde já estive por duas vezes, tudo parece planificado.

É planície extensa e monótona a paisagem que nos rodeia; um eflúvio triste e inebriante evola-se da própria terra; sentimos como em nenhuma outra parte a dor profunda da solidão.

O carácter do alentejano, agarrado ao solo donde nunca emigra é merencório; a sua voz é pastosa, duma melopeia monocórdica, que se expressa assim nos próprios cantares.

Nota-se logo a influência árabe e as raízes profundas que lá deixou.

No Minho, ao contrário, tudo é diferente. O que no Alentejo é extenso, compacto, fechado em si próprio, é ali pequenino, achegadinho, cheio duma franqueza vibrante.

O seu povo, mais do que qualquer outro, é alegre, vivaz, todo comunicativo.

A sua paisagem, sem dúvida, é das mais belas de todo o país.

Viana do Castelo, por exemplo, é uma tela fulgurante de beleza sem par. Pois o vianense é também como tudo o que o cerca ruidoso de sons como a sua paisagem é ruidosa de cores, alacre como ela, comunicativa, terrena, muito humana.

O sangue árabe já ali não deixou vestígios, pois a dominação muçulmana muito pouco se demorou por lá. Mas se meditarmos bem, notaremos que essa mancha populacional tem uma típica acentuação étnica que a torna diferente de todas as outras regiões. Talvez sangue suevo que por ali se derramou para sempre.

Nas outras províncias dá-se o mesmo!

Quer seja o estremenho, quer seja o beirão ou o algarvio, profundas diferenças o delimitam entre si, com o fundo próprio de cada paisagem para cada qual.

Aveiro, a nossa região, é um todo desgarrado no todo português.

A sua paisagem, por si, é já única no país, para não dizer no próprio mundo.

A ria é um acidente geográfico que em nenhuma outra parte encontramos e que modelou o seu hinterland numa estrutura nova, diferente de todos os outros meios.

Definir essa paisagem, impossível. É nostálgica e alegre ao mesmo tempo, vasta e muito aconchegada; possui todos os cambiantes, e, se de manhã pode parecer vibrante e juvenil de entusiasmo, à noitinha, já se transformou num aspecto de profunda tristeza, com os seus pores de sol inconfundíveis.

O povo de Aveiro é como a sua região, diferente de todos os outros.

É só igual a si próprio.

Povo franco e enérgico como não encontrei em qualquer outra parte, imbuído dum espiritualismo que o torna num viveiro de poetas, artistas ou homens de ciência, o aveirense, e quem diz aveirense diz todo o natural do Baixo-Vouga, é um ser marcante, não só no seu meio como em qualquer parte do mundo em que habite.

Há 22 anos que deixei Aveiro onde residi durante outros vinte e dois.

Lá decorreram os melhores tempos da minha vida.

Pois bem, Aveiro, nestes 22 anos, não me tem saído do coração, tão profundas raízes ali se criaram.

Houve na sua paisagem, no seu povo, na sua hospitalidade, uma magia tão grande, a que nunca mais me pude furtar, e que de mim fizeram o aveirense mais convicto, o mais amante da sua terra, embora o mais humilde e o mais despido de qualquer valor.

ANTÓNIO CARDO

 

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