Arménio António da
Silva Gomes dos Santos
(7.º ano – Germânicas)
O dia tinha
estado lindo, com o céu azul e o sol inundando as campinas. A
aldeia, mergulhada no silêncio da tarde, parecia uma tela bucólica,
destas que se encontram a cada passo nos museus e não têm nenhuma
pátria especial, a não ser a pátria comum a todas as criações
artísticas: o Belo. Apesar de ser Primavera, o tempo estava muito
quente e a gente do sítio procurava com ansiedade um refúgio sombrio
e fresco onde pudesse libertar-se do calor que penetrava as coisas e
os seres, quase tentando sufocá-los.
Mas, a pouco e pouco, esse calor foi abrandando, até se tornar numa
carícia morna que nos afagava todo o corpo. E,
de súbito, as consequências inevitáveis do calor desusado dessa
tarde fizeram-se sentir: o céu começou a ser invadido por nuvens
negras, a princípio semelhantes a manchas, mas tornando-se gradualmente densas, sombrias, ameaçadoras. E o primeiro
trovão, como já era de esperar, atroou os ares, depois de um
relâmpago em ziguezague ter fendido o céu.
A Natureza, ainda há bem pouco equiparada a uma fotografia verde e
feliz da idade do ouro, transformara completamente o seu semblante
e aparentava agora um mar medonho e engolido pelas trevas,
mensageiras da tempestade que se avizinhava. A trovoada não cessava
a sua acção destruidora. Os
relâmpagos gigantescos devastavam tudo à sua passagem: árvores,
casas desprotegidas, animais e mesmo alguns camponeses que,
receosos, corriam para o lar, para o meio das suas famílias, não fosse a trovoada colhê-los traiçoeiramente.
Cada casa era como duas mãos postas em oração, como
um grito de fogo e lágrimas.
Súplicas misturavam-se com medo e com a grossa chuva que,
entretanto, caía, inundando tudo e completando o cenário de tragédia
grega que aquela noite terrível encarnava.
Dir-se-ia que o espectáculo, a um tempo horripilante e majestoso que
envolvia toda a aldeia, era um dilúvio em ponto pequeno, um
fim do mundo em miniatura. Não faltava ali nada para realizar uma
tragédia: o louco desespero das gentes, a ameaça terrível da
natureza (como que num fatalismo inflexível), o ruir estrondoso das
casas, a chuva diluviana que parecia querer acabar com tudo, as
trevas, sobretudo as trevas, imensas, infinitas, como enormes bocas
que tudo tragavam. Só um milagre – pensavam as gentes da aldeia –
podia salvar
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aquele recanto, isolado nos confins do mundo. Só um milagre!
E eis que, de súbito, naquela paisagem de horror e devastação, a chuva parou e a trovoada afasta-se lentamente para outras
regiões. O tempo acalmara. E, com lágrimas nos olhos,
a população, na sua fé de criança, rezou. |