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farol n.º 32 - mil novecentos e sessenta e nove ♦ setenta, págs. 5 e 6.

Noite de Tempestade

Arménio António da Silva Gomes dos Santos
(7.º ano – Germânicas)
 

O dia tinha estado lindo, com o céu azul e o sol inundando as campinas. A aldeia, mergulhada no silêncio da tarde, parecia uma tela bucólica, destas que se encontram a cada passo nos museus e não têm nenhuma pátria especial, a não ser a pátria comum a todas as criações artísticas: o Belo. Apesar de ser Primavera, o tempo estava muito quente e a gente do sítio procurava com ansiedade um refúgio sombrio e fresco onde pudesse libertar-se do calor que penetrava as coisas e os seres, quase tentando sufocá-los.

Mas, a pouco e pouco, esse calor foi abrandando, até se tornar numa carícia morna que nos afagava todo o corpo. E, de súbito, as consequências inevitáveis do calor desusado dessa tarde fizeram-se sentir: o céu começou a ser invadido por nuvens negras, a princípio semelhantes a manchas, mas tornando-se gradualmente densas, sombrias, ameaçadoras. E o primeiro trovão, como já era de esperar, atroou os ares, depois de um relâmpago em ziguezague ter fendido o céu.

A Natureza, ainda há bem pouco equiparada a uma fotografia verde e feliz da idade do ouro, transformara completamente o seu semblante e aparentava agora um mar medonho e engolido pelas trevas, mensageiras da tempestade que se avizinhava. A trovoada não cessava a sua acção destruidora. Os relâmpagos gigantescos devastavam tudo à sua passagem: árvores, casas desprotegidas, animais e mesmo alguns camponeses que, receosos, corriam para o lar, para o meio das suas famílias, não fosse a trovoada colhê-los traiçoeiramente.

Cada casa era como duas mãos postas em oração, como um grito de fogo e lágrimas.

Súplicas misturavam-se com medo e com a grossa chuva que, entretanto, caía, inundando tudo e completando o cenário de tragédia grega que aquela noite terrível encarnava.

Dir-se-ia que o espectáculo, a um tempo horripilante e majestoso que envolvia toda a aldeia, era um dilúvio em ponto pequeno, um fim do mundo em miniatura. Não faltava ali nada para realizar uma tragédia: o louco desespero das gentes, a ameaça terrível da natureza (como que num fatalismo inflexível), o ruir estrondoso das casas, a chuva diluviana que parecia querer acabar com tudo, as trevas, sobretudo as trevas, imensas, infinitas, como enormes bocas que tudo tragavam. Só um milagre – pensavam as gentes da aldeia – podia salvar / 6 / aquele recanto, isolado nos confins do mundo. Só um milagre!

E eis que, de súbito, naquela paisagem de horror e devastação, a chuva parou e a trovoada afasta-se lentamente para outras regiões. O tempo acalmara. E, com lágrimas nos olhos, a população, na sua fé de criança, rezou.

 

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11-06-2018