Agostinho Vidal de Pinho
O astro-rei detinha-se sobre outros continentes e a nossa amiga
noite cobria as casas de uma aldeia rústica. Era Janeiro. A
escuridão propagava-se às coisas: as árvores eram fantasmas que, movidos pela viração que soprava, pareciam
perseguir as trevas e o vento.
Todas as habitações, servidas na encosta, permaneciam
tristes e silenciosas, resistindo
à força dos elementos: água
e ar. Água? Sim. Uma chuva pesada e pertinaz ensopava o seio da
povoação. Ar? Sim.
Correntes frias de vento levaram para longe as últimas folhas
caídas...
Cada alma, recolhida na mão de Deus, descansava
despreocupada. A aldeia dormia...
Eis que uma figura rebuçada
aparece num dos caminhos enlameados e sinuosos
que conduziam a um casal.
Alguém que visse aquela
pessoa, homem ou mulher, que diria? Pensaria, talvez, tratar-se de um
ladrão, que, aproveitando a rudeza da noite,
planeou algum assalto. Não,
não era um ladrão; não iria
fazer o mal, mas sim ajudar
um seu semelhante a atingir o Reino de Deus: era um padre.
Alguma coisa de muito sagrado levava consigo
– a hóstia, conforto dos humanos católicos. Onde iria o pobre homem com tempo daqueles e àquela hora?
Caminhou, caminhou e só parou defronte de uma casa,
em cujo interior se via luz.
Oscilou sob o peso da capa molhada e dos sapatos enlameados,
pesados como chumbo. Sacudiu o vestuário, e bateu. Depressa uma mão correu o fecho e um corpo assumiu no limiar da
porta. Surgia um
rapaz, que, emocionado, pergunta: – Quem está?
O abade responde, com voz calma e tranquila:
– O abade Francisco.
– Entre. Minha mãe está
às portas da morte. Venha.
O
padre entrou. Lá dentro vozes
chorosas murmuravam orações. A fome negra da morte acabava de
ceifar uma vida e nada... ao outro dia, alguém
que até ai viveu, iria morar noutro mundo; iria para outra vida, não
terrena, mas eterna;
iria prestar contas da sua conduta na Terra ao Criador.
O tempo parecia associar-se à tristeza dos habitantes
daquela aldeia. A mulher que
morreu, querida de todos, passou à lista dos mortos:
uma pá de terra em cima do
seu caixão e nada mais... um
ser humano que desapareceu... |