A. Vieira da Silva
ZÉ FERNANDO entrara
triste em casa. A mulher olhara-o numa interrogação muda. «Nada!...» disse ele. E
era tudo... Um silêncio caiu na humilde choupana.
Lá fora o mar soluçava, contando aos ventos e aos céus as
suas mágoas. A noite estava negra como breu. Nem uma só estrela
brilhava lá nos altos...
«Mais uma noite de Natal» disse Fernando.
«E nem sequer um pão para
o nosso Tóino». A mulher continuou muda. Olhou com duas lágrimas
nos olhos o filhito que serenamente, alheio a
tudo, dormia... quem sabe se sonhando... (Se é que um pobre
pode ter sonhos!...)
Humilde pescador, desde muito moço o mar o
acolhera em seus
braços... Vida de constante luta para ganhar umas migalhas! – De
inverno, porém, o tempo piorava... o mar rugia, a miséria aumentava...
... Absorto nestes pensamentos, levantou-se de repente, como se estranha mola o impelisse e deixou
a mulher e filho... Em breve
se perdia na escuridão do noite.
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Zé Fernando, ofegante,
peito oprimido, olhou os céus «Cristo, porque não nasceste – para todos? Porquê? Porquê?...» O mar
soluçou dolentemente... E Zé Fernando como um louco, avançou para
ele, para esse mar que amava desde menino e refugiou-se
tragicamente na imensidão das suas águas. |