A. Reis
LÚCIO era um rapazito sem história e nada em si era
de notar, salvo um olhar profundo, sonhador. Habitava lá nos
subúrbios duma grande cidade, numa casita de paredes já tão
carcomidas que mais
parecia um monte de ruínas. Seus pais eram extremamente
pobres; a vida de Lúcio era vaguear ao acaso pela grande capital.
A chuva caía de leve, miudinha, mansa e fria. Cosido com as paredes
no vão intuito de não se molhar, ele lá ia, descalço, as mãozitas
roxas do frio nos bolsos duma velha e
ensebada jaqueta, o cabelo revolto de molhado; o seu olhar sonhador
era agora distraído. Ia sem rumo, como sempre.
– Eh! Lúcio... – o rapaz ficou pasmado; nunca ouvira falar em
tal!...
– Eh! Mãezinha! Mãezinha!,
– ia chamando Lúcio enquanto empurrava
a tosca porta chapeada de ferrugentas latas – é verdade que o
Menino Jesus vem pôr uma prenda no sapato, esta noite?
A Mãe medira o alcance da pergunta, mas, como era
pobre...
– Sim, filho! é verdade! Mas é só aos meninos que se portam bem... e
Lúcio não se havia portado bem, ultimamente; o Tónio da outra
rua...
– Mas, mãezinha...
*
O velho sapato lá ficou, na esperança de uma prenda
do Menino. Lúcio deitara-se. Adormeceu, sonhou...
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«Como era linda a prenda que o Menino Deus lhe dera. Oh! como ele
gostaria de ir ter com Ele e brincar com ele! Mas não interessava.
À luz do sol brincar com ele, era todo o seu enlevo; como o Menino
fora bom! E Lúcio agora portar-se-ia melhor!
*
Quem de tarde ouvira o mar não duvidaria da
veracidade das suas ameaças.
Trovões longínquos iam-se ouvindo mais perto e perto; o vento que
começara de mansinho era agora ciclónico; a chuva mansa e leve era
agora a catadupas.
Uma rajada mais forte e estava consumada a tragédia:
as toscas paredes não resistiram.
– Lúcio! Lúcio – gritava
aflitiva a pobre mãe. – Lúcio! – a sua voz era cava; adivinhando o passado desmaiou.
Pobre mãe, pobre coração! Fora duro o golpe!
Arreliava-a por vezes, mas ela era mãe e Lúcio era o seu filho...
Mãos piedosas alumiaram
o rosto do miúdo; a morte colhera-o no melhor do seu sonho... e ele
lá ficou na sala dos brinquedos do Menino Deus. Talvez por isso ele
debaixo dum montão de pedras, sorria, feliz... |