M. M.
(7.° Ano)
Enterrado numa poltrona, mãos enclavinhadas nos fontes, nem
sentiu fechar a porta por onde o sacerdote saiu.
Estava só... No entanto aquela voz interior aniquilava-o.
Levantou-se apoiando-se na secretária. Aquela bola de papel entre
os dedos pareceu queimar-lhos. Deu alguns passos, mos voltou à
secretária, tornou a pegar naquele papel amarfanhado por ele há
pouco e abriu-o:
«Reverendo amigo:
É neste dia, aniversário da morte de minha mãe, que eu comemoro com a maior veneração, que lhe escrevo.
Lembra-se, padre, da primeira vez que a si me dirigi?..»
A carta tremia-lhe nas mãos. Os dedos pareciam garras que
furavam o papel. Seu filho, que criara com tanto cuidado, para
que nenhuma crença cristã entrasse nele escrevera aquela carta.
Seu filho que esperava ver um dia sendo, como ele, combatente
invencível de todo o católico, dirigia-se ali a um sacerdote como ao
melhor amigo!
O olhar desvairado tornou a pousar no papel que tinha à
sua frente:
«Ó padre, esta personalidade dupla que tenho de manter, uma que é
a minha, outra que apresento em frente do meu Pai, não é cobardia?
Se não fosse a recordação do sacrifício de minha Mãe...
ela ofereceu-se pela sua conversão, eu completo o sacrifício.
É o grande amor que dedico a ambos, que me faz viver nesta dualidade
constante. Se meu Pai soubesse quem é o adversário
que combate os seus artigos... Ele odeia esse homem, padre, e esse
homem sou eu!
/ 15 /
Lutar assim contra quem se ama, como eu amo meu Pai,
é horrível».
Era o filho o seu adversário, aquele adversário invencível que
punha por terra todas as suas argumentações contra a doutrina
cristã. Se pudesse odiá-lo...
Mas ele agora estava moribundo, o médico não
tinha qualquer esperança. Deixá-lo-ia, como a mãe, esse filho que
tanto amava?
...«Ela ofereceu-se pela sua conversão, eu completo
o sacrifício»....
Não, não. Ó Cristo que eles tanto amam, não o deixeis
morrer. (É impossível morrer por uma coisa abstracta, que não
existe...).
Não acreditava, não queria acreditar, mas pedia.
Havia caído de joelhos. Sentia a cabeça estalar sob a acção
de um martelo que lhe batia sem cessar.
De repente levantou-se. Como podia ele, um homem
enérgico, estar ali amarfanhado? Havia de vencer o filho! Não vencera também a mulher? Não. Ela morrera pela sua conversão. E
o filho, o filho completava o sacrifício.
Não podia mais. As palavras que escreveu ao sacerdote
amigo do filho foram um grito da sua alma dilacerada pela luta.
Padre:
Não acredito, não quero acreditar em milagres, mas os médicos dizem que só um milagre o salvará.
Padre, peça o Senhor, a esse Cristo que adoram que salve o
meu filho, que o salve e eu abandonarei a luta contra Ele.
Padre, eu não sei que tenho, mas peça-lhe que salve o meu
filho, que o salve e eu acreditarei.
O ódio excita contendas, mas o
amor cobre todas as transgressões. |