Laura P. Dias
(6.º ano)
COUSA difícil e ingrata
à pena é esta, de falar, de enaltecer um
homem, um génio... E para quem não é escritor mais difícil e mais
ingrata se torne esta tarefa tão grata e querida à nossa memória. É
que as palavras, as pobres palavras de um estudante não podem, nem poderão
jamais, expressar toda a bondade, toda a coragem e abnegação de um Português
– que o foi de raça e coração, – de um homem tão nobre e recto como
o foi José Estêvão.
Nascido em Aveiro em 1809, José Estêvão conservou-se em todos os
momentos da sua vi de fiel à cidade que o vira nascer, aos seus
princípios, quer religiosos, quer morais, quer políticos, à Pátria
que amou tão apaixonadamente. Criado no seio de uma família católica,
de carácter profundamente íntegro, o ilustre Aveirense deu sempre
provas dessa educação recebida na infância. O ambiente familiar
teve, pois, em José Estêvão, um alcance decisivo na formação do seu carácter. A
acção moral exercida por seu Pai
e ainda por uma irmã de sua Mãe – visto esta ter já falecido –
ficou bem marcada na sua mente e a sua personalidade formou-se em
contacto com o exemplo destes dois vultos familiares. As suas
tendências naturais foram assim aproveitadas e aperfeiçoadas pelos
dois entes que lhe eram mais queridos. Ocupemo-nos agora por uns
momentos dos sentimentos que nutria para
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com os seus semelhantes: a um amor filial que tocava as raias do
paradoxo aliava-se a amizade, o carinho e a ternura para com os
amigos e familiares. a piedade para com os miseráveis, a caridade
para com os necessitados, a misericórdia, enfim, para com os
inimigos. É ele próprio que afirma que não conhece a paixão do
ódio. E é bem do seu carácter justo e bom a ausência deste
sentimento, vulgar nas almas pior formadas. A morte de seu Pai, Luís
Cipriano Coelho de Magalhães, conquanto que prevista, como que o
desvairou. Nos seus braços deu o último suspiro aquele antigo
patriarca, sem que a sombra de um remorso viesse perturbar os
últimos instantes de vida. Ditoso o homem que assim deixa o mundo e
entrega a alma a Deus!... Esta morte foi mais um golpe vibrado na
resistência moral de José Estêvão. Por todo o resto da sua vida
guardou essa mágoa. essa saudade... José Estêvão foi também, como
já se disse, de uma integridade notável de carácter. As suas obras,
o seu exemplo magnífico, merecem o nosso louvor, a nossa admiração
já que são o digno fruto do que a consciência lhe ditava. Apoiava
apenas as situações e os princípios que se coadunavam com a sua
maneira de pensar, o
que, por vezes, lhe foi fatal. Não exigiu nunca a menor recompensa, nunca foi nem nunca teve pretensões de ser ministro. Não,
fora, porém, a morte tê-lo levado tão repentinamente, e teria entrado para o ministério na situação Loulé, em vista da popularidade
de que gozava, conquistada, não pela adulação das massas,
mas pela força do prestígio que o indicava à Coroa e o impunha ao
Gabinete. O homem grande e prestigioso punha em tudo e acima de tudo
o coração: quer na vida íntima, quer na vida política, quer nos
grandes lances da sua aventurosa carreira, quer nos
casos mais vulgares da sua existência. Sim, é verdade o que Camilo
escreveu. Só na morte o seu grande coração repousou de amar; só na
morte ele deixou de bater pelo amor, pela verdade, pela justiça,
pela Pátria. Repousa em paz, ó-homem do coração generoso!...
*
Definido o homem, está, no caso de José Estêvão, definido o
político. A sua vida pública não foi mais do que um reflexo do seu
carácter nobre e bom. Com os predicados que já lhe apontámos, a
existência de José Estêvão foi como teria forçosamente
de ser: luminosa, recta e justa.
As suas ideias políticas e as críticas que fazia quando o julgava
conveniente trouxeram-lhe, como é de prever, grandes desgostos e
aborrecimentos. Mas não vergou jamais as suas convicções e a sua
independência triunfou de todos os obstáculos. Criticava
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7 / tudo o que não achava bem, sim, mas criticava com
lealdade, com verdade, mostrando não só os erros mas também as
virtudes.
Foi, como na vida íntima, leal para quem desleal lhe era,
generoso para quem o não era para ele, amigo para com os
amigos, misericordioso para com os inimigos.
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E falemos agora de José Estêvão como Tribuno, como
Orador. É e será sempre impossível fazer uma ideia exacta e precisa
da sua eloquência, já que no texto oficial dos Diários das Câmaras
as expressões estão deturpadas, por vezes grandemente modificadas, faltando ainda
a esses textos os extraordinários dons naturais de José Estêvão: a presença física, o gesto, o timbre da voz.
Todos os que o ouviam ficavam presos daquela espécie de
magnetismo que emanava de todo o seu ser. E nós não podemos nunca, ainda que com as mais sublimes palavras, definir,
elogiar o grande tribuno, o magnífico Orador como ele o merece. A
sua voz possuía ricos cambiantes de tons, as palavras mais banais e simples adquiriam, como que por mágico efeito, novas
tonalidades, tornando-se ora persuasivas, ora coléricas, ora ternas, ora
convincentes. Era a voz dele que, elevando-se nas tribunas, conseguia cativar os ouvintes mais renitentes, acorrentar todos às
torrentes de palavras que dos lábios lhe saíam.
Aveiro, a terra natalícia do ilustre homem, deve-lhe muito: a
fundação do liceu e a passagem da linha férrea pela cidade atestam bem
a sua denodada força de vontade contra os obstáculos
que se lhe alevantavam.
Louvemos José Estêvão, nós, os seus conterrâneos pelos
quais ele lutou, nós, os estudantes deste liceu, nós, os portugueses. Que a nossa voz se erga a louvá-lo e a glorificar as suas
obras...
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