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farol n.º 1 - mil novecentos e cinquenta e sete ♦ cinquenta e oito, págs. 29-30.

Ao Longo do Caminho

Maria Margarida da Cunha Oliveira


ESTRADA fora, rumo incerto, no cérebro o turbilhão revolto dos mais variados pensamentos, nos olhos uma luz febril de incompreensão, no coração... somente ansiedade, seguia uma mulher.

No céu escuro bruxuleavam as estrelas, o aroma de mil flores chegava até ela trazido pela tépida brisa que a acariciava e além, muito além, ouvia-se o rumor ainda que um pouco vago do mar.

Noite, sublime inspiradora dos poetas, conselheira infalível dos que te procuram a braços com qualquer problema, porque não exercias a tua influência sobre aquele pobre coração de mulher? Porque não acabavas com a dúvida atroz em que se debatia o espírito cansado e fraco? Porque lhe não pedias que olhasse a natureza, que tão pródiga de encantos se mostrava nessa noite tranquila de verão, e atentasse na causa de tantas maravilhas que ela, pobre alucinada, nem sequer via?

Estrada fora... seguia uma mulher...

Ia em busca do desconhecido, em busca duma certeza que desfizesse as suas dúvidas, ou duma verdade que enchesse completamente o vácuo da sua existência.

Se era bonita? Não sei. Se era jovem? Talvez, mas estampava-se-lhe no rosto, o sulco profundo duma desilusão.

Sim, a mulher que seguia, estrada fora, rumo incerto, pretendia apenas fugir do mundo, fugir de si mesma, deixar tudo quanto constituíra a sua existência passada e caminhar em busca dum ideal que a satisfizesse, duma verdade, da única verdade que poderia encontrar!

Por isso seguia, deixando tudo, seguia sem saber para onde, tendo no cérebro um caos dos mais diferentes pensamentos...

Tivera fé. Crera em Deus. Porque deixara de crer? Eis a sua história:

Nascera num berço de ouro, entre rendas e afagos, no luxuoso ambiente duma casa rica.

A vida era para ela «um mar de rosas» onde nunca existira a cruel picada dum espinho. Mas será que os privilegiados da Sorte nunca terão a mais leve contrariedade? Não. Mas assim como a neve começa por queimar as folhas das árvores e quase nunca chega até ao interior do caule, assim os espinhos, as dores, as contrariedades daquela família rica, jamais haviam atingido a  / 30 / menina mimada que todos adoravam. Fora sempre feliz, completamente feliz. Crescera, amara e fora amada, constituíra um lar.

As suas esperanças, o seu carinho, todos os anseios dum coração de mãe e de mulher haviam-se concentrado num berço doirado como o seu, onde dormia, indiferente ao mundo, um pequenino ser.

Mas um dia o destino inexorável quis deitar por terra o castelo das suas esperanças e feriu-o no mais profundo do seu coração: no seu amor de mãe.

Destino, porque és tão cruel? Com a mesma mão crias e derrubes impérios, dás felicidade e dor, esperança e desalento...

Proteges a mãe que aperta de encontro ao peito, num espectáculo sublime e único, o filhinho estremecido, e num ápice atira-la para o abismo da mais negra dor, deixando-a inconsolável, num farrapo, derramando lágrimas e espalhando flores na tumba dum cemitério.

A quantas fazes isso? Nem tu próprio sabes. Mas se muitas estão preparadas para receber o duro golpe, outras há que o não estão: aquelas para quem a vida sempre foi pródiga de bens e jamais proporcionou o amargo dissabor da desilusão. Estas não sofrem mais, apenas desconhecem o significado da palavra sofrer!

Aquela mulher pertencia a estas últimas.

A morte roubou-lhe o filho e ela não quis compreender que a sua dor era igual a de tantas mães no mundo...

Descreu... Se havia um Deus no Céu, porque a ferira tão profundamente? Porque lhe dera um filho, para lho tirar de novo? Se lhe proporcionara tudo, porque a deixara sem nada? – eis o que perguntava a si mesma. E sobreveio a dúvida, a dor mais atroz entre todos as dores, que corrói o interior do ser como um veneno, que ultrapassa os limites da razão e deixa o espírito mergulhado em sombra, onde bruxuleia de quando em quando uma baça luz que logo se apaga e deixa de novo a escuridão!

Duvidar, duvidar, não crer em nada...

O espírito obcecado por um turbilhão de ideias desencontradas, não distinguir já o amor do ódio, o bom do mau, o verdadeiro do falso... Descrer de si própria!

E, estrada fora, caminhando como um autómato, noite e dia, dia e noite, sem olhar o céu, sem olhar as flores, sem ouvir o mar, em busca da fé perdida, lutando no meio do revolto oceano da dúvida por um porto de salvação, vai uma mulher!

Ela não sente o mundo que vibra em seu redor, não vê a Lua que lhe alumia a noite nem o Sol que lhe aclara o dia e segue, segue sempre, desejosa de chegar ao fim, não querendo mais que a morte que a todo o sofrimento põe cobro e liberta as almas da ETERNA DÚVIDA DA VIDA.

DARIGA

 

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04-06-2018