Maria Margarida da Cunha
Oliveira
ESTRADA fora, rumo
incerto, no cérebro o turbilhão revolto dos mais variados
pensamentos, nos olhos uma luz febril de incompreensão, no
coração... somente ansiedade, seguia uma mulher.
No céu escuro
bruxuleavam as estrelas, o aroma de mil flores chegava até ela
trazido pela tépida brisa que a acariciava e além, muito além,
ouvia-se o rumor ainda que um pouco vago do mar.
Noite, sublime
inspiradora dos poetas, conselheira infalível dos que te procuram a
braços com qualquer problema, porque não exercias a tua influência
sobre aquele pobre coração de mulher? Porque não acabavas com a
dúvida atroz em que se debatia o espírito cansado e fraco? Porque
lhe não pedias que olhasse a natureza, que tão pródiga de encantos
se mostrava nessa noite tranquila de verão, e atentasse na causa de
tantas maravilhas que ela, pobre alucinada, nem sequer via?
Estrada fora... seguia
uma mulher...
Ia em busca do
desconhecido, em busca duma certeza que desfizesse as suas dúvidas,
ou duma verdade que enchesse completamente o vácuo da sua
existência.
Se era bonita? Não sei.
Se era jovem? Talvez, mas estampava-se-lhe no rosto, o sulco
profundo duma desilusão.
Sim, a mulher que
seguia, estrada fora, rumo incerto, pretendia apenas fugir do mundo,
fugir de si mesma, deixar tudo quanto constituíra a sua existência
passada e caminhar em busca dum ideal que a satisfizesse, duma
verdade, da única verdade que poderia encontrar!
Por isso seguia,
deixando tudo, seguia sem saber para onde, tendo no cérebro um caos
dos mais diferentes pensamentos...
Tivera fé. Crera em
Deus. Porque deixara de crer? Eis a sua história:
Nascera num berço de
ouro, entre rendas e afagos, no luxuoso ambiente duma casa rica.
A vida era para ela «um
mar de rosas» onde nunca existira a cruel picada dum espinho. Mas
será que os privilegiados da Sorte nunca terão a mais leve
contrariedade? Não. Mas assim como a neve começa por queimar as
folhas das árvores e quase nunca chega até ao interior do caule,
assim os espinhos, as dores, as contrariedades daquela família rica,
jamais haviam atingido a
/ 30 /
menina mimada que todos adoravam. Fora sempre feliz, completamente
feliz. Crescera, amara e fora amada, constituíra um lar.
As suas esperanças, o
seu carinho, todos os anseios dum coração de mãe e de mulher
haviam-se concentrado num berço doirado como o seu, onde dormia,
indiferente ao mundo, um pequenino ser.
Mas um dia o destino
inexorável quis deitar por terra o castelo das suas esperanças e
feriu-o no mais profundo do seu coração: no seu amor de mãe.
Destino, porque és tão
cruel? Com a mesma mão crias e derrubes impérios, dás felicidade e
dor, esperança e desalento...
Proteges a mãe que
aperta de encontro ao peito, num espectáculo sublime e único, o
filhinho estremecido, e num ápice atira-la para o abismo da mais
negra dor, deixando-a inconsolável, num farrapo, derramando lágrimas
e espalhando flores na tumba dum cemitério.
A quantas fazes isso?
Nem tu próprio sabes. Mas se muitas estão preparadas para receber o
duro golpe, outras há que o não estão: aquelas para quem a vida
sempre foi pródiga de bens e jamais proporcionou o amargo dissabor
da desilusão. Estas não sofrem mais, apenas desconhecem o
significado da palavra sofrer!
Aquela mulher pertencia
a estas últimas.
A morte roubou-lhe o
filho e ela não quis compreender que a sua dor era igual a de tantas
mães no mundo...
Descreu... Se havia um
Deus no Céu, porque a ferira tão profundamente? Porque lhe dera um
filho, para lho tirar de novo? Se lhe proporcionara
tudo, porque a deixara sem nada? – eis o que perguntava a si mesma.
E sobreveio a dúvida, a dor mais atroz entre todos as dores, que
corrói o interior do ser como um veneno, que ultrapassa os limites
da razão e deixa o espírito mergulhado em sombra, onde bruxuleia de
quando em quando uma baça luz que logo se apaga e deixa de novo a
escuridão!
Duvidar, duvidar, não
crer em nada...
O espírito obcecado por
um turbilhão de ideias desencontradas, não distinguir já o amor do
ódio, o bom do mau, o verdadeiro do falso... Descrer de si própria!
E, estrada fora,
caminhando como um autómato, noite e dia, dia e noite, sem olhar o
céu, sem olhar as flores, sem ouvir o mar, em busca da fé perdida,
lutando no meio do revolto oceano da dúvida por um porto de
salvação, vai uma mulher!
Ela não sente o mundo
que vibra em seu redor, não vê a Lua que lhe alumia a noite nem o
Sol que lhe aclara o dia e segue, segue sempre, desejosa de chegar
ao fim, não querendo mais que a morte que a todo o sofrimento põe
cobro e liberta as almas da ETERNA DÚVIDA DA VIDA.
DARIGA |