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Ponte de Carcavelos sobre o Canal de S.
Roque, na década de 1940 com o chalé e o estaleiro do Sr. Tobias. |
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A loja da “Rosa do Polícia” dava para o
canal de São Roque e ficava quase em frente da ponte dos Carcavelos, a
antiga, de pau, não esta que lá está agora, de cimento, e que foi
mandada fazer, ao que me dizem, pelo saudoso Dr. Álvaro Sampaio. Era um
lugar estratégico, muito bem colocado para o negócio, pois era por ali,
principalmente por ali, que se juntava a gente grada da marnotagem, dos
mercantéis, dos negociantes de peixe, dos pescadores do rio, e dos
marítimos que estavam em terra, nos intervalos das viagens da marinha de
comércio ou das safras do bacalhau, do Cabo Branco ou da pesca costeira.
Era por ali que estavam varadas as caçadeiras e as bateiras, mais a
jeito de quem tinha de ir para as marinhas, para a pesca ou para o
junco, principalmente à força de remos. Foi da cepa destes homens
possantes, tisnados pelo sol, muitas vezes coado de brumas, que saíram
os remadores olímpicos do nosso Galitos. O que lhes faltava em apuro de
técnica no manuseio dos remos dos seus barcos esguios, sobrava na força
que destilava dos seus músculos construídos na dura faina da ria ou das
marinhas de sal.
Pelo lado norte da ponte de Carcavelos,
e depois de se atravessar uma pontinha, também de madeira, um tanto
tremeliques, por cima do esteiro de Sá que desembocava no canal de S.
Roque, encontrava-se o estaleiro do Tobias, onde se “amanhavam” os
barcos da ria: as caçadeiras maneirinhas, as bateiras para os vários
fins, da pesca até ao transporte de junco, os saleiros e os mercantéis.
Desde a construção até à reparação periódica, com os competentes
serviços de calafeto, tudo lá se fazia. Moliceiros, poucos, que esses
eram arranjados lá mais para norte, para os estaleiros da Murtosa.
“A primeira casa dos meus pais foi um
chalé, assim lhe chamavam, que ficava ao lado do estaleiro do Tobias”,
recordou o meu primo Aguinaldo que não resistiu a desfiar os nomes que
lhe vinham à memória dos seus colegas da Escola do Adro, hoje convertida
na sede da Junta da Freguesia da Vera Cruz: os remadores do Galitos: o
Felisberto, o João Ventura, o Manuel “cabo de ordens”, o Piaca, o
Albino, todos marnotos, o João Sousa, que foi contínuo da Escola
Industrial e Comercial de Aveiro, extinta EICA, que tantas saudades nos
deixou, o João e o Zé Simões, o Carlos, o João “Valjam”, o Carlos e o
João “Caroço”, o Instrumento, o Jaime “Camões”, o Américo Moreira, o
Raminhos, o Evangelista, o António Almeida, o pintor e ceramista Zé
Augusto, o Mário Gamelas, o António Peixinho, o pintor Artur Fino, o
Manuel Neto, filho da Glória do Russo, o Jaime da Papelaria Avenida, o
Mieiro, o Dr. Assis e o Dr. José Domingos, todos eles que passaram pelas
mãos dos saudosos professores Dona Leopoldina Melo e Remígio.
O Dr. Álvaro Sampaio, que tinha marinhas
amanhadas pelo “ti” Luís Maçarico, pai do Zé Maçarico, recém-falecido, e
do artista plástico Mário Júlio, o Dr. Lourenço Peixinho, o Dr. Cunha, o
Dr. Alberto Souto, o “ti” Domingos da Maia, conhecido por “o milionário”
e demais proprietários do salgado aveirense garantiam grande parte do
emprego da mão-de-obra ribeirinha nos trabalhos do amanho e reparação
das marinhas de sal.
Por altura da festa da Senhora das
Febres, os mordomos organizavam, sempre, as tradicionais corridas de
bateiras, com tripulações masculinas e femininas. Ficaram famosas as
compitas entre as equipas que corriam pela loja da “Rosa do Polícia” e
pela da “Lurdes de Pardilhó” e que tinham como prémio para a vencedora
uma taça de madeira que era feita pelo Sr. Tobias do estaleiro. Foi numa
dessas corridas que a primitiva ponte de Carcavelos, a de madeira, virou
e veio abaixo, com o peso das pessoas que nela estavam a assistir às
corridas. Já lá vão uns sessenta anos bem contados! Mas ainda hoje é de
morrer a rir ouvindo o “ti” João Moreira pintor, que também estava lá em
cima com o meu primo Aguinaldo, a contar como tudo aconteceu: as pessoas
estavam do lado da ponte virado para a Mina, para nascente; quando as
bateiras passaram por debaixo da ponte, viraram-se, em bloco e com todo
o seu peso, para poente, para continuar a ver a corrida. A ponte não
aguentou a brusquidão do movimento e o povo veio parar à maré.
Diz o “ti” João que nunca tinha visto
tanta perna de mulher ao léu a sair de tanto saiote aberto a boiar na
água.
Por certo que, no cais, sentado num
“mocho” emprestado pela loja da “Rosa do Polícia”, lá estava, alheio ao
burburinho, o “ti” Modesto, ainda meu parente, agarrado à sua viola que
tocava que era uma maravilha. Tempos que já lá vão…
GASPAR ALBINO – 04-04-2005