Bebi esse delicioso
vinho, símbolo eterno do sangue de Cristo, que agora e sempre nos vivifica
a alma e nos enobrece os corações, para que o ódio neles se apague, para que a
raiva sempre desprezem; para que à comunhão e ao perpétuo renascimento
permaneçam abertos.
Cristo, pelas mãos do seu próprio povo, os Judeus, foi sacrificado. Por
eles, e por nós também, sofreu e morreu, no auge da sua maturidade, aos 33
anos de idade. Pelo menos, assim rezam as Escrituras.
Apenas mais uma morte de um ideólogo alucinado? Perguntarão aqueles que, à
luz da Verdade, a História não leram. Não. Claro que não. Estão
completamente enganados. Responderão essoutros que as alegorias bíblicas
souberam interpretar literariamente
Não se trata, de facto, assim o penso, nem de mais uma morte, nem uma
morte qualquer. A morte de Cristo é uma metáfora, uma simbolização
metafórica que, com precisão, devemos saber analisar.
O que verdadeiramente importa – pelo menos assim o vejo aquando de olhos
postos no Mundo – não é a sua morte ou a sua dor física, não é o seu frágil
corpo açoitado e ensanguentado, mas a sua morte e dor espiritual, que até
hoje se perpétua, denotação perfeita da crueldade, da cobardia e da
insanidade humana, que da desgraça alheia se alimenta, petrificada num
estado de exacerbação do prazer próprio, assombrada pela “glória” que não
vêem mais como sinónimo da sua própria imbecilidade.
A morte de Cristo, Deus feito Homem, é a exemplificação, "claramente vista",
da ignorância das gentes, que em histeria colectiva entram, ao som da voz de
um líder movido por uma infundada sede de vingança, sem saberem exactamente
por que causa lutam.
Eles, os Judeus, preferiram soltar Barrabás e crucificar Cristo. Escolheram
salvar o mal, o crime, a bestialidade, em vez de conservarem a pureza de uma
alma que pelo Bem e pela Justiça sempre lutou, aceitando, pacificamente,
mesmo num atroz sofrimento universal, o destino que o Pai lhe havia
confiado, a selvajaria norteada pela mais inconcebível inversão de valores
que a humanidade devia, deve, banir convictamente de todos os seus
pensamentos e, principalmente, de todas os seus actos.
Cristo lutou, honrosamente, em nome da filosofia que o movia. Defendeu-a,
com toda a convicção, em prol de um mundo mais humano, onde imperasse essa
costela de bondade, de verdade e de rectidão do carácter, que nem sempre
desocultamos. Morreu por ela, manifestando toda a sua coragem e lealdade
ideológica, até mesmo nos momentos em que a sua dimensão humana se
encontrava estarrecida.
Caminhou, a passos largos, sem medo de assumir essa penosa tarefa de ser
persona non grata a um sistema corrupto, degenerativo, completamente
desqualificado.
Podemos considerá-lo um herói histórico? Claro. Podemos e devemos. É a minha
tese, que passo a defender num intercâmbio de perguntas e respostas.
O que representa ou simboliza este herói? Um mártir, entre tantos outros,
que a História nos apresenta? A resposta parece-me simples e clara: Cristo
foi, é, o símbolo da essência do Humano, na sua grandeza e na sua miséria.
Mostrou, mostra, aos Homens – hoje tão cegos e tão surdos como os do seu
tempo – como a irracionalidade e o puro instinto são o cancro de todos os
Povos, de todas as Nações, em todas as épocas.
Lamentavelmente, esta lição não foi, ainda, por nós interiorizada. E porquê?
1. Porque não convém aos “donos” do poder uma humanidade marcada pela
racionalidade do dever, pelo respeito pelas liberdades fundamentais, na sua
igualitária e natural diferença;
2. Porque continua a reinar a hipocrisia, a mentira, a inveja e a
intolerância.
A “Caixa de Pandora” abriu-se. Lançou sobre a Terra toda a espécie de males.
Nela ainda se encontra Esperança, guardada a sete chaves e, quiçá, só
libertada quando os Homens desnorteados, pautados por valores desonrosos,
indignos e insolentes, encontrarem o seu verdadeiro caminho.
Será que, um dia, chegará esse tão ansiado momento? A mundividência que os
nossos olhos diariamente desvelam parece mostrar que jamais há
possibilidade de voltarmos ao “Paraíso Perdido”. Senão vejamos: vivemos o
ódio e a disputa desenfreada entre as Nações que, por interesses económicos
ou políticos, se dispõem a matar, a destruir, brutalmente, todos os
obstáculos que à sua frente se apresentam e tendem a coarctar as ideias
indigentes dos sistemas totalitários intencionalmente disfarçados.
O valor da dignidade humana, tomada em si mesma e por si mesma, foi
aniquilado pela maioria dos Países que, só em teoria, o respeitam. Em
primeiro lugar estão os valores da Pátria (que grande mentira!) encobertos
pelo frenesim económico do lucro pelo lucro, pelo prazer do poder pelo
poder, circunscrito a uma minoria que se auto-classifica como
peremptoriamente capaz de defender os Direitos Humanos, por detrás das armas
que, indiscriminadamente, fazem jorrar o sangue puro dos inocentes.
Alucinados nos mantemos neste céu de trevas, obscurecedor dos espíritos
manipulados por uma escala axiológica inversa, comandada pelo valor
imperativo do dinheiro, por sua vez, acompanhado pelo poder político, sem
escrúpulos, que o faz crescer, nas mãos de uma pequena e perversa minoria
que o mundo (des)governa.
Nesta corda bamba, não mais manobrada pelo equilibrista, continuamos a
assistir ao subdesenvolvimento dos países do 3º Mundo, onde reina a fome, a
escravidão, a insolência, a má fé, a falsa solidariedade e a intransigência,
o desumano, ou para sermos mais claros e realistas, o Inferno vivido em
vida, entre outros anti-valores de que os nossos rostos, sorridentes, se
deviam envergonhar, aquando de cada lágrima derramada dos olhos das
crianças, que já nem o céu têm como horizonte possível.
Assistimos, todos os dias, pela televisão ou pelos jornais, a estes cenários
degradantes. E nenhum de nós se pode declarar como intocável, ou como
irresponsável perante estas mazelas que por todo o Mundo assomam, de forma
mais ou menos visível. Até nos podemos lamentar. No entanto, nada fazemos
para as eliminar ou minimizar.
Sabemos que o palco do Mundo caminha nas franjas da barbárie (nem sempre
desocultada), de um modo cada vez mais assustador. Mesmo assim, permanecemos
calados ou mostramos, apenas, a nossa revolta num restrito grupo de amigos,
cuja voz ali se encerra, olhando os “coitados” que sofrem.
Afinal, jamais deixamos de pensar: «Quem sou eu para mudar o Mundo?». E
assim voltamos à apatia de sempre, bem mais cómoda do que qualquer cogitação
de uma possível luta pelos ideais em que acreditamos. Acrescentamos – a esta
frase feita, e sem excepção – que a culpa é do Governo, o eterno bode
expiatório das culpas que do nosso cartório estamos sempre prontos a
descartar.
Não convém à minoria, que este palco suporta por detrás de um permanente não
dito, que sobre esta realidade meditemos. Levados pelas correntes da
demagogia, vendamos os olhos, para que as atrocidades não nos façam pesar a
consciência. Rolhamos os ouvidos, para que não ouçamos os gritos aflitos de
milhões de pessoas – nossos semelhantes, por essência – que amarguradamente
clamam em busca de um simples pedaço de pão, que os seus corpos nutrifique,
em demanda de um simples sorriso ou de uma palavra, actuantemente solidária,
que os seus acabrunhados espíritos console.
Não fazemos mais jorrar o sangue de Cristo pelas almas sedentas de paz. Não
dividimos mais o pão por todos os outros de nós mesmos, também
sobreviventes, neste Mundo marcado pelo egoísmo, por falsas promessas, ou
por promessas sempre adiadas.
Isabel Rosete
23 de Março, 2008 |