Rita Pinto C. R. Miranda, Poesia, 2003.

No quarto verde...

II

No quarto verde virado para a rua,
Relembro-te.
Na colcha cor de laranja
Dormem histórias ao sol da tarde.
Relembro-te a ti que nunca me quiseste,
Relembro-me a mim que sempre estive aqui.
E relembrar já não quer dizer nada.

Uma vez foste os minutos e os segundos de uma tarde infinita.
Uma vez foste tudo durante tempo demais. 
No quarto verde virado para a cidade, o meu silêncio faz eco.
E relembrar começa novamente a fazer sentido.

A verdade dessa tarde (fosse ou não verdade) foi para mim uma mentira.
Nunca foi fácil procurá-la,
Nunca foi fácil descobri-la.
Mas que fazer agora com ela
Quando nos separa e se nos morre na garganta?
Que fazer com uma verdade que não acreditamos
poder ser verdadeira?

Aqui, hoje, não és mais do que uma história
A dormir suavemente na colcha cor de laranja.
Uma história que não sei, ainda agora, 
Se terminava nessa tarde
Ou se continua neste quarto verde
De janela virada para o mundo.

E relembro-te nos telhados
E nos beirais
E nas pedras da calçada. 
E existes agora no fumo do cigarro, 
Nas cortinas brancas, 
Na cadeira de palha.
E acredito-te na noite que já caiu. 
Acredito-te no chão, 
Nos livros, 
No carro que passa
E naquela torre iluminada
Que eu nunca soube o que é.
Acredito-te sobretudo na colcha cor de laranja.

Relembrar fará sentido?
Hoje faz.

Apago a luz.
Fecho a porta.

Dorme bem (onde quer  que  estejas agora)…
 

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