O Mito de Europa

Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia, foi uma das paixões de Júpiter cujo nome ficou aliado, para a posterioridade, a uma designação geográfica.

Numa bela manhã de Primavera, Europa passeava com as suas amigas, colhendo flores numa verdejante campina à beira-mar, quando Júpiter, que olhava distraidamente a Terra, a viu. Apaixonado por aquela beleza que facilmente se destacava de todas as outras, transformou-se num touro de resplandecente brancura e com cornos semelhantes a duas luas na fase de quarto crescente. Aproximou-se assim da jovem, indo deitar-se a seus pés. Primeiro, Europa assustou-se, mas pouco depois, tomando coragem, acariciou o animal, enfeitou-o com flores e, quando já tinha plena confiança, sentou-se sobre o seu dorso. Logo o touro se levantou, correndo em direcção ao mar. Apesar dos gritos da jovem, que se agarrava aflita às hastes do animal, este avançou por entre as vagas e foi-se afastando das margens. Navegaram durante muito tempo, escoltados por um cortejo das mais belas criaturas marinhas, até chegarem a Creta, ilha que pertencia à parte do mundo que Júpiter achava mais bela e, junto a uma fonte, o rei dos deuses, já com a sua forma humana, consumou o seu amor pela jovem à sombra de plátanos que, em memória desta paixão, obtiveram o privilégio de nunca perderem as folhas.

Em homenagem à jovem, os Antigos chamaram Europa a essa parte do mundo onde ela viveu depois de ser raptada.

Júpiter, em troca daquele amor, casou-a com Astérion, então rei de Creta que, não tendo filhos, adoptou os que a nova esposa tivera com o deus.

Após a sua morte, Europa recebeu honras divinas e o touro em que Júpiter se metamorfoseara tornou-se numa constelação, sendo colocado entre os signos do Zodíaco.

 


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Delfim Rodrigues, «Europa»

O dos Castelos

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar 'sfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.

Fernando Pessoa, in Mensagem

 

Mensagem a Europa

Homenagem a Pessoa

 

No limiar do meu próprio sono,
Percebo a tua respiração lenta
E sei-te profundamente adormecida.
Vencida pelo tempo, és hoje
Não mais que o eco de outras civilizações
Com ideais tão belos como perdidos.

No escuro, são meus os teus olhos fechados
E minhas as tuas mãos inertes
Que há muito cederam ao peso
Do teu rosto perfeito e heleno;
Meus os teus eternos sonhos por cumprir
Que ganham em mim um novo alento.

Acordarei amanhã com o teu nome,
Europa, para ser maior que qualquer fronteira!

Renata Cambra
 


 Retrato da Rapariga

Muito hirta de pé no patamar do sono
Contornando sem pressa a curva de uma artéria
Por mais ocasional que fosse o nosso encontro
dava-me a entender que estava à minha espera
Com um livro na mão com um lenço ao pescoço
uma expressão cansada a palidez inquieta
de que andasse ao vento ou trouxesse no rosto
em vez de pó de arroz um pó de biblioteca

Surgia de repente onde sempre estivera
em Zurique em Paris em Liège em Colónia
Por único endereço uma carreira aérea
Mas não sei se era louca ou apenas mitómana
Onde quer que eu a visse uma coisa era certa
Numa rua num bar num museu numa doca
dava-me a entender que estava à minha espera
dava-me a entender que se chamava Europa.

David Mourão-Ferreira, in Obra Poética1948-1988

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Joana Eira-Velha, «Europa»


O Rapto de Europa

 


Bem me parecia que as tuas costas não me eram estranhas,
ó virgem nua, agarrada aos cornos do touro. Com o sol a bater-lhes,
e a luz a dançar por entre as coxas e as nádegas,
enquanto o focinho divino te procura os seios, talvez
murmures algo entre a queixa e a súplica. De facto,
não é esta a situação nupcial mais cómoda; e sabes
que esses cornos te irão rasgar o ventre quando passares
por entre as nuvens, onde irás sofrer a arremetida
do sol. Então, os teus cabelos hão-de brilhar com o sangue
fresco, que cairá como chuva primaveril nas planícies férteis do
continente. Quantas florestas
brotarão desse húmus! Quantos sonhos se alimentarão
do teu corpo, abraçando o golfo que se abre entre o flanco
e o peito, desejando uma navegação batida pelos êxtases
do amor!

Mas é esta a regra do desejo. O próprio deus
a cumpre até ao fim, com o seu peso de terra. Bem podem
os teus lábios carpir a perdida inocência, quando nenhuma ave
atravessa a esfera do humano: é que o seu reino é
o azul, onde o fogo sublime não a atinge com a sua ira. Porém,
atinge o teu sexo aberto pelo desejo mais alto: o das estrelas
apagadas pelo teu jovem fulgor; e o dos seres
pálidos do infinito, prostrados pelo cansaço celeste. Respiras,



então numa ânsia de luz. A cegueira de um deus exausto escorre-te
pelos ombros. O seu fôlego prende-te ao efémero,
rouba-te a inspiração do amanhã. Agarras-te à nuvem, como
se puxasses o lençol para te cobrir a nudez; mas é a sua língua
que tapa os teus membros, descobrindo-te os ombros. Enterras
os pés no continente, nos seus vales mais fundos; e as montanhas
amparam-te a queda, rasgam-te cada pedaço da pele
mais amada, ressequida pelo excesso de olhar.

Piso-te, de um lado ao outro
do mapa. Habito as tuas cidades numa ânsia
de partir – atrás de ti, ó mulher nómada,
corrupta e pura, olhando o céu esvaziado
de abril.
                            
Nuno Júdice, in Poesia Reunida 1967-2000

 

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Luís M. Cambra, «Rapto de Europa»


Paixão de Europa

 

Deitas-me à sombra deste plátano,
Tornas-te no que realmente és.
Olhamo-nos sabiamente…
Falar?
Sabes tudo o que te digo
Sem falar, sem dizer,
Porque não é preciso,
Porque sei tudo o que queres ouvir,
Não da boca, do olhar.

Ana Alves

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Francisco Mendes, «Europa».


 

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Mónica Filipe, "Plutão e Europa"

No alto Olimpo contemplava sereno
Das ninfas o dançar encantador,
Quando súbito brilhou com fulgor
Teu cabelo dourado ao sol ameno.

A perfeição do teu rosto pequeno
Logo acendeu em mim um novo amor;
Perto de ti se inflamou meu fervor
Que forte nos guiou a solo heleno.

À sombra dos plátanos foste minha
E enlevaste-me na beleza nua
Do teu corpo, que entre os braços sustinha.

Mas para nós a punição foi crua
Que adúltero amor sentença tinha
De separar da minha a vida tua.

Renata Cambra

   
 

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