Pela Verdade;
pela anti-mistura;
pela Nobreza!
Meu Bardo, de seu nome Alfonsin
Clave de Sol, é um verdadeiro “craque”. Faz poemas por atacado
e, a enfeitá-los, dando-lhes ainda mais beleza, junta-lhes as
pautas e as claves, os sustenidos e os compassos e, com fusas e
colcheias vai deliciando os brandos tímpanos do meu ducado.
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Posso, à custa desta dotada
criatura, considerar-me um Duque feliz!
Só que, de vez em quando, e porque
não há bela sem senão, este “rouxinol” fica meio aparvalhado,
bebe-lhe que nem uma esponja e desata a improvisar porcas
desgarradas a solo, vomitando asneiredo à velocidade da minha
impaciência, enfim... um desastre!
Não há instrumento que lhe
resista; já partiu 4 liras, 2 harpas, 7 violões e 2 cavaquinhos
desde a sua recente promoção a bardo de 2ª; chamou nomes feios a
372 convidados lá na Casa Ducal da Cova do Macho e consta-me que no
Verão passado terá apalpado os alforges da égua da Marquesa de
Alfarelos quando, entre duas quadras mal enjorcadas, o tipo se
esgueirou até ao Parque de Estacionamento das Traseiras onde se
encontrava a alimária. Não se tratava de roubar, Alfonsin não era
ladrão! Só que lhe tinha constado que a Marquesa costumava
fazer-se acompanhar sempre do seu cantilzinho de bagaço e o
guardava religiosamente num dos alforges da sua égua e daí,...
Alfonsin não resistiu à tentação! Isto, claro, consta-se.
Alfonsin não mo confessou apesar de, mãos no pescoço, eu o ter
feito chegar ao rubro. (Calado que nem um rato! Mudo).
Era assim, o meu bardo. Destravado,
com a pinga. Claro que, no dia seguinte, um pouco mais lúcido,
vinha ter comigo, rasteirinho, e pedia-me que lhe desse nas ventas.
E eu dava. Sempre lhe paguei bem, cama, mesa, roupa lavada, e
porrada quando ma pedia. Era a felicidade personificada!
Mas... perguntarão, a que propósito
vem este Alfonsin?
Bem! É que, este meu rouxinol
assalariado, num dos mais recentes convívios (sempre nobres convívios,
nada de subalternices!) já tinha emborcado “à vontadinha”
litro e meio do “espirra” quando, de repente, e a
destempadamente, se lembrou de sacar da campaniça e arrefinfar
assim estes versolejos, virando-se empertigado p’rá choupana de
D. Bártholo:
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“Essa choupana está seca
Debaixo do Sol mirrando
Olha p’ráqui, não há truque,
Isto sim, é qué de Duque
Vai-se comendo e “espirrando”!
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E como ninguém lhe desse resposta
– D. Bártholo andava fora, nesse fim de semana, a cobrar calotes
ferrados a seu avô sapateiro – Alfonsin continuou:
Sai daí ó lagartixa
Desse buraco de plebe
O mê amo é que te lixa
O mê amo é que te lixa
Co’as cartinhas qu’ele t’escrebe
Só tens goela ó Bartôlo
Só tens paleio e mais nada
P’ra que fizeste promessas
De pôr o Duque num bôlo
C’o as tuas mãos à porrada?
(e meu bardo, de raiva cada vez
mais galopante, fuzilou)
Ótóclismo é ótóclismo
Sangue azul, teu não é, não!
És servo do intestinismo
Que puxas o ótóclismo
P’ra borrifar o brazão!...
... E foi cantando, noite adentro,
foi tocando, picadela no Conde de Mataduços, beliscão no Reis dos
Dias, trancada nos Almeydas das Ruas da Kâmara, facadas no Barbatêsa...
... E foi cantando, pirilampos à
mistura, cegarregas e licranços, cucos e lagartixas e, claro, mais
uma coxa de frango, mais uma malga do tinto...
Meu bardo desabafou; sentia-se
radiante por julgar ter assim contribuído para a recolocação dos
sangues nos buracos certos da paleta. Azul no azul, o resto, à
mistura.
Mas fora malcriado. Algumas vezes
inconveniente.
Voltou a partir a Campaniça – às
4 da manhã já só tinha 2 cordas; às cinco já o instrumento
ficara espalmado sob as patas da égua da Marquesa de Alfarelos
quando Alfonsin, discretamente, se ausentou para uma mija distraída
por sobre um dos flancos da referida besta.
Voltou a apanhar nas ventas, a seu
pedido.
No entanto, o sagital talento deste
meu bardo fizera renascer em mim uma vontade tremenda de continuar a
luta vilmente interrompida há dois anos:
- Pela verdade
- Pela anti-mistura
- Pela nobreza!
E, por força das minhas origens,
seguirei o lema:
“As couves aos caracóis, aos
Duques os javalis”!
Solar do Duque, 25.09.87
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