| 
         
        
        Demorei 20 anos a perceber a asneira que 
        tinha feito. Deixei de estudar porque, como muitos outros, hoje como 
        dantes, precisam de uma justa causa para lhes segurar o pensamento na 
        sala de aulas. "Voei'" muito. O que fiz foi porque quando "aterrava 
        ouvia o que o professor dizia. Ouvi muito pouco. 
        
        Fui 
        trabalhar" com a convicção que faria as disciplinas como assistente, 
        porque isso nos era permitido. Tinha plena consciência de que me estava 
        a enganar e a enganar os meus pais, que apostavam tudo nos filhos. 
        Resta-nos a consolação de lhes termos absorvido os princípios e os 
        valores morais. 
        
        Não me 
        posso desculpar com os maus colegas. Tive poucos, dava-me bem com eles. 
        Os outros, que eram muito mais, hoje são médicos, arquitectos e 
        engenheiros. 
        
        Na 
        altura, sentia-lhes alguma inveja quando puxava pela carteira para pagar 
        o que me apetecia consumir" sem limitação, considerando o fosso que nos 
        separava pelo ordenado e a mesada. 
        
        O meu 
        primeiro carro passeou com todos eles. Julgava que era o "maior", quando 
        na realidade "grandes foram eles. 
        
        Perdi o 
        rasto aos maus e mantenho contacto com alguns dos bons. Não me sentem 
        inveja, porque não a tenho, apenas orgulho de sermos amigos. 
        
        Hoje 
        encontro na sala de aulas antigos colegas e até colegas de serviço. 
        Homens e mulheres, jovens e menos jovens, que, por razões diferentes, 
        deixaram de estudar; mas que, por razões idênticas, aqui estão sentados, 
        conseguindo o tempo que eu julgava há 20 anos estar a perder. 
        
        No ciclo 
        de vida existe o momento em que não entendemos e nos revoltamos, quando 
        nos dizem que a nossa obrigação é estudar. Não é fácil nem agradável 
        fazê-lo, quando nos é imposto e não estamos predispostos a isso. Mas, 
        quando sentimos necessidade de voltar a estuda, fazemo-lo principalmente 
        porque sentimos na carteira o peso da diferença e uma revolta contida 
        por nos vermos ultrapassados, não pela competência, mas pelo estatuto 
        que qualquer licenciatura confere à inexperiência, ao desconhecimento, à 
        incapacidade e algumas vezes à incompetência. 
        
        Um dia 
        aprendi que cada plástico lançado ao mar pode percorrer milhas ao sabor 
        das correntes. Demora centenas de anos a degradar-se e é a morte 
        anunciada de uma tartaruga ou de um golfinho, provocando-lhes asfixia 
        após ingestão. Morte agonizante pela incúria e o desrespeito pela 
        natureza. Tudo o que flutua, emerge ou submerge nos oceanos é visto como 
        peixe, crustáceos, algas e medusas de que estas espécies se alimentam; 
        por isso, embora nunca tenha tido esse péssimo habito de atirar lixo ao 
        mar, cada vez que vejo e tenho possibilidade de recolher um saco de 
        plástico faço-o com desprezo indefinido por quem o atirou e com orgulho 
        por ter acabado de salvar uma tartaruga ou um golfinho. 
        
        Estas 
        palavras são um pedaço da história de alguém que demorou 20 anos a 
        reconhecer um erro! São um desabafo de alguém que estaria morto se 
        arrependimento matasse e um contributo para todos aqueles que se revejam 
        neste papel, na certeza porém que este pedaço de história conseguirá 
        salvar muitos mais golfinhos. 
        
        
        Armando Jorge Anastácio 
        
          
            | 
             
            
            O que é estudar? 
            
            
            «Estudar seriamente em texto é estudar o estudo de quem, estudando, 
            escreveu (...). É buscar as relações entre o conteúdo em estudo e 
            outras dimensões afins do conhecimento. Estudar é uma forma de 
            reinventar, de reescrever, de recriar – tarefa de sujeito e não de 
            objecto.»  
            
            
            Paulo Freire  | 
           
         
         |