4.º Reitor –
Dr.
Clemente Pereira Gomes de Carvalho.
Nasceu em
1851 e faleceu em 1906.
Foi
reitor desde 1869 a Março de 1871.
5.º Reitor –
Cónego
José Cândido de Oliveira Vidal.
Nasceu em
1829 e faleceu em 1892.
Reitorou
o Liceu desde Março de 1886 a 1892.
Foi este
Reitor quem primeiro se esforçou por que do
/
19 / edifício do Liceu
saíssem as repartições do Governo Civil e Fazenda, que desde 1864, como
vimos, lhe ocupavam o primeiro pavimento. A esse respeito, é muito
importante a acta de 2 de Abril desse mesmo ano de 86: «Disse o mesmo
reitor que constando-lhe ha muito que a permanencia das repartições do
governo civil e da fazenda do districto no edificio do Iyceu tem
embaraçado sempre a regularidade do ensino pela natureza diversissima
dos serviços d'ambos, e tornam absolutamente impracticaveis algumas
disposições da reforma d'instrucção secundaria na parte respectiva ao
mesmo Iyceu, porquanto o andar do edificio ocupado por este nem é
bastante para as suas aulas diarias, nem tem casas para secretaria,
conselhos, gabinetes ou salas d'estudo e d'exames; sendo que ainda assim
o governo civil, tambem por mal acomodado, lhe invade frequentes Vezes a
bibliotheca (onde já funccionam duas aulas em falta de logar proprio)
para n'ella celebrar as sessões da junta geral do districto: – que estes
gravissimos inconvenientes foram já ponderados pelo senhor inspector da
instrução secundaria em Janeiro de mil oitocentos oitenta e um ao
governo de Sua Magestade, que, reconhecendo-os providenciou ordenando ao
governador civil que estudasse o modo de desembaraçar o edificio, a fim
de se accommodarem convenientemente as aulas e mais pertenças do Iyceu,
restituindo-lhes as casas que lhe pertenciam. O ministerio porem que
dera essa ordem, deixou poucos mezes depois o poder, entrou novo
governador civil, e não consta que se fizesse, até agora, a mínima
diligencia para cumprir as determinações recebidas; e assim continuam os
mesmos inconvenientes accusados em prejuizo do serviço do Iyceu. Que por
isso elle reitor propunha que se pedisse instantemente ao governo de Sua
Magestade as providências necessarias para que o edificio do Iyceu seja
promptamente desoccupado pelas repartições do governo civil e da fazenda
do districto, ou que ao menos, e para já, emquanto não houver casa para
todas essas repartições estranhas ao Iyceu, saia a repartição de fazenda
das salas que occupa, passando as repartições do governo civil para uma
d'essas – a do lado direito do salão d'entrada – a fim de que as duas
salas do lado esquerdo sejam destinadas para aulas e secretaria e
reuniões do conselho do Iyceu. O conselho, tomando em consideração esta
proposta, que acha justa, affirma por verdadeiros os motivos que lhe são
fundamento, e unanimemente delibera que se envie copia d'esta acta ao
senhor inspector da instrucção secundaria para impetrar do governo de
Sua Magestade as providencias precisas, a fim de serem removidas do
edificio do Iyceu
/ 20 / todas as repartições publicas estranhas ao
mesmo; e porque não seria faci! achar-se de prompto um edificio que as
comporte todas, delibera tambem que se inste pela remoção immediata da
repartição de fazenda do districto para alguma das diversas casas da
cidade, onde bem pode instalar-se sem prejuiso do seu serviço, a fim de
que, na proxima epoca d'exames, o Iyceu possa já aproveitar-se das
salas, que ella Occupa ; e que o governo civil despeje a parte do
edificio do Iyceu em que está estabelecido, até ao fim do corrente ano
lectivo.»
Tendo o
actual edifício sido construído propositadamente para nele se instalar o
Liceu, surpreende-nos que apenas vinte e sete anos após a sua
inauguração se pensasse em instalar noutro edifício os serviços do mesmo
Liceu. Coisas da política do tempo. Felizmente, essas tentativas nenhum
resultado deram, e o Liceu continuou onde estava. Mas vejamos o que a
tal respeito nos dizem as actas.
Na sessão
extraordinária de 23 de Dezembro de 1887, o Reitor, Cónego Oliveira
Vidal, «deu conhecimento aos vogais do conselho da consulta que lhe fora
feita pelo Presidente da Commissão Districtal acerca da mudanca do Iyceu
para um edifício que se edificasse de novo. O professor Manoel Gonçalves
de Figueiredo propoz como questão prévia que o conselho se abstivesse de
responder á consulta feita pela Commissão Districtal, por isso que,
tratando-se de instrucção secundaria e de dar novo destino a um edificio
do Governo, entendia que a consulta devia partir ou do Governo, ou do
Inspector d'esta circunscripção. E tendo-se discutido esta proposta, o
conselho deliberou por maioria que se tomasse conhecimento do assumpto
da consulta. Em
/ 21 /
seguida o reitor, expondo a questão, resumiu-a
nos tres quesitos seguintes: 1.º O actual edificio do Iyceu pode, como
está, satisfazer ás necessidades do ensino? 2.º O mesmo edificio,
convenientemente modificado, pode satisfazer? 3.º Outro edificio
construido de novo pode satisfazer melhor que o actual depois de
modificado? – O Conselho tendo ponderado estes quesitos, votou-os todos
afirmativamente, sendo o 1.º e 3.º por unanimidade e o 2.º por maioria.
Em seguida a esta votação, o Reitor apresentou a planta-projecto do novo
edificio, que lhe fôra enviada pelo Presidente da Commissão Districtal e
havida pelo mesmo Presidente da Direcção das obras publicas do districto,
e propoz ao conselho que deliberasse se este projecto, realisando-se,
daria lyceu com as condições que o progresso da sciencia actual exige,
por ficar melhor que o actual Iyceu depois de modificado. Logo o
professor Albino Ladeira propoz que se nomeasse uma commissão de entre
os vogaes do conselho que apreciasse o projecto apresentado e desse o
seu parecer não só sobre quaesquer alterações que entendesse necessarias
para que o novo edificio satisfizesse a todas as condições do ensino
escolar, senão tambem sobre a comparação d'esse seu estudo com o do
projecto de modificação do actual Iyceu. Sendo acceita a proposta, o
conselho nomeou para vogaes da referida commissão os professores: Romão,
Elias e Figueiredo. O professor Romão pediu escusa do seu serviço n'esta
commissão, que o conselho acceitou, nomeando para o substituir o
professor Alvaro d'Eça».
Isto em
23 de Dezembro. Logo em 3 de Janeiro de 1888, de novo reúne
extraordinariamente o conselho «para apreciar e votar o parecer que a
referida comissão em seguida apresentou e que é do theor seguinte: – «A
Commissão encarregada de dar parecer sobre o projecto apresentado para o
edifício do novo Iyceo a edificar no local das ruinas do palacete do
Visconde de Almeidinha (1) nos termos no mesmo projecto é de
parecer que elle satisfaz a todas as exigencias do ensino secundario, se
poder ( sic) ser modificado do seguinte modo: 1.º – que o comprimento do
edificio seja augmentado pelo lado sul numa extensão egual à largura da
capella;
/ 22 /
2.º – que
a escada fique de tres lanços apenas, começando por um central e
desdobrando-se em dois superiormente; – 3.º – que a largura de cinco
metros que o vestibulo tem na planta fique reduzido a tres, fazendo
accrescer um dos dois à largura da sala para espera de professores, e
sendo o outro aproveitado para o desenvolvimento da escada; 4.º – que
aquelle vestibulo de tres metros corra em toda a volta da escada,
formando um varandim abaulaustrado: 5.º – que o espaço tomado pelas
aulas numero tres e quatro seja destinado para secretaria e sala do
conselho e gabinete do Reitor; 6.º – que as portas das duas arrecadações
subjacentes à escada no andar terreo abram para o atrio; 7.º – que seja
expropriada a capella para que a sua area com a da arrecadação junta
fique para uma só arrecadação; 8.º – que o gabinete do andar superior
seja exclusivamente destinado ao bibliothecario, devendo na aula numero
6 tirar-se pelo lado sul um espaço egual ao mesmo gabinete com destino
especial de sala para espera de professores; 9.º – que seja expropriado
o arco junto a fim de que a aula contigua possa receber luz pela frente.
Confrontando depois este projecto, modificado dos termos expostos, com
outro que foi presente a esta commissão elaborado no sentido de
accommodar o actual edificio ás necessidades do ensino é a mesma com
missão de parecer que o primeiro é superior ao segundo. O menbro da
comissão Manuel Gonçalves de Figueiredo declarou que assignava vencido
relativamente à comparação dos dois projectos por se não conformar com a
opinião dos outros dois membros. Aveiro, tres de Janeiro de mil oito
centos e oitenta e oito. Elias Fernandes Pereira, Alvaro de Moura
Coutinho de Almeida
/ 23 /
d'Eça, Manuel Gonçales de Figueiredo». O
conselho tendo discutido largamente este assumpto, depois d'examinar não
só os trabalhos da commissão mas tambem os dois projectos, procedeu à
votação, approvando por unanimidade a primeira parte do parecer,
relativa ao projecto do novo edificio com as modificações indicadas, e
por maioria a segunda parte, em que, confrontando aquelle projecto com o
da modificação do edificio actual, julga o primeiro superior ao
segundo».
Em actas
do Conselho do Liceu não mais volta a falar-se em mudança. O caso
apaixonou a opinião pública e a imprensa local. Como sempre acontece,
dividiram-se as opiniões. Homem Cristo, no “Povo de Aveiro”, abriu
violenta campanha contra a mudança, e esta não se fez. O primeiro artigo
saiu no número 312, 1.ª série, de 27 de Novembro de 1887, antes da
primeira reunião do Conselho, e a ele pertencem estas criteriosas e
justas palavras: – «O lyceu está perfeitamente no sitio em que se
encontra. Representa um melhoramento de primeira ordem. É um documento
vivo e permanente do maior patriota que tivemos. É uma tradicção
gloriosa que será mais do que um erro, porque será um crime, não
acatarmos e pouparmos. Motivos de sobra para que aquelle edificio fique
para o fim, grandioso e bello, a que os seus fundadores o destinaram».
Durante
três meses, diz Homem Cristo
(2), em cada número de
"O Povo de
Aveiro" se publicou um artigo sobre o assunto
(3).
A
comissão da estátua de José Estêvão, que então andava ultimando os seus
trabalhos, protestou também, energicamente, perante o Presidente da
Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito, em 18 de Dezembro de
1887, contra o projecto de mudança do Liceu. Dizia assim o seu protesto:
«lIlmo e Ex.mo Snr. Prezidente da Commissão
Executiva da Junta Geral. Os abaixo assignados, membros da Commissão que
promove os meios de elevar n'esta cidade uma estatua em marmore do
grande orador portuguez José Estevam Coelho de Magalhães, vem perante V.
Ex.ª reprezentar contra a resolução de se tirar o lyceu do magestozo
edeficio em que está funcionando. Como V. Ex.ª sabe tão bem como nós, o
lyceu actual é um titulo de gratidão que possue a cidade d'Aveiro para
com o seu filho
/ 24 /
dilecto e querido. Ninguem ignora a dedicação que teve José Estevam por
aquelle edificio e por aquella instituição e o amor que toda a Vida lhe
Votou. Ir-se desviar hoje do seu primitivo destino, é matar as tradições
gloriozas que lhe andam ligadas, é renegar o legado do mais puro e
abençoado espírito que surgiu n'esta terra, é desrespeitar uma caza, que
já é um monumento, e praticar por consequencia um vandalismo e uma
profanação, que ao espirito illustrado e patriotico de V. Ex.ª hade
repugnar primeiro do que a nenhum outro. Se os abaixo assignados, como
cidadãos e habitantes d'esta terra, vissem na resolução a que se veem
referindo um motivo de necessidade suprema ou de conveniencia
extraordinaria, seriam os primeiros a calar o sentimento que dictou
estas linhas, em face dos interesses maiores da collectividade. Mas
ainda se não convenceram de motivo grave que haja para retirar o Iyceu
do edificio nobre em que tem funcionado até ao prezente. Com o seu
aspecto grandiozo, com as suas condições imponentes, nenhum outro melhor
para templo da sciencia e tabernaculo das lettras. Com as suas dimensões
e amplitude presta-se incontestavelmente ás necessidades e exigencias do
ensino moderno. Pelo lado da situação e pelo lado da economia, não se
nos affigura que fôsse razão attendivel, por um segundo sequer profanar
um monumento, porque não houvesse local mais adequado a sede das
repartições publicas, nem que a circunstancia do novo edificio
burocratico custar mais dois ou tres contos de reis que um outro
edeficio para Iyceu fosse motivo justificado e serio de urna população
faltar á propria dignidade e ao decoro que se deve desrespeitando a
memoria de José Estevam. Isto na hypothese da economia e da situação
ficarem prejudicadas, o que não acreditamos de maneira nenhuma, porque
nem um novo lyceu deixaria de custar immenso dinheiro para satisfazer ao
progresso, à civilização e á corrente da mentalidade nacional, nem seria
pequeno o dispendio em apropriar o existente a repartições publicas, nem
deixa de haver local conveniente para a construcção d'um edeficio
politico-administrativo no centro da cidade.
«IIl.mo
e Ex.mo Snr.! Vae-se pagar d'aqui a dois dias uma divida
sagrada á memória do famozo paladino das franquias populares, ao heroico
filho de Aveiro, ao grande cidadão portuguez. Deixae-nos que a estátua
de José Estevam se erga defronte do nosso Lyceu. Deixae-nos que o bronze
e a pedra attestem o patriotismo do morto e o patriotismo dos vivos.
Deixae-nos que os dois monumentos, o amor d'um homem e a gratidão d'um
povo, sejam a nossa gloria commum nos dias da
/ 25 /
festa que se
avizinham ahi: deixae-nos sem uma macula, sem uma sombra, sem um
retrahimento que seja, contentes do nosso trabalho e orgulhosos do nosso
dever, receber os estranhos que nos vierem vizitar. A vós, orador,
jornalista, publicista, a vós que, ainda n'outro dia, defendeste (sic) o
melhoramento para esta terra d'um edeficio destinado a repartições do
Estado, levamos este appêllo patriotico. Estamos certos de que seremos
attendidos (ass.) a Commissão»
(4).
______________________________________________
(1) –
A respeito deste palacete escreveu Rangel de Quadros nos «Subsídios para
a História de Aveiro», de Marques Gomes, pág. 295:
– «Esta
casa foi destruída por um incêndio em 24 de Junho de 1871. Em 1888
começou a ser demolido, para no seu local se construir em edifício para
repartições públicas». E mais adiante: «Nunca passou de meias
paredes!» Escrevia isto em 1894. – É onde hoje se levanta o edifício do
Governo Civil.
(2) –
Vide n.º 586 de “O Povo de Aveiro” (4.ª série),
(3) –
Leiam-se, n'”O Povo de Aveiro”, n.OS 586, 587 e 588, 4.ª
série,
respectivamente de 5, 17 e 24 de Março de 1955, os artigos publicados a
propósito do que, sobre a frustrada tentativa de mudança do Liceu,
afirmei na minha palestra de 17 de Fevereiro do mesmo ano, feita
publicamente na biblioteca do Liceu.
(4) –
«Representação dirigida ao Prezidente da Commissão Executiva da Junta
Geral em 18 de Dezembro de 1887» –, escrita no Copiador (.L 2.º) da
Comissão da estátua, entre um ofício de 23 de Maio e outro de 20 do
mesmo mês de 1888, fls. 11 v. a 12 v.–A estátua veio a inaugurar-se no
dia 12 de Agosto de 1889.
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