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        GENTES DO LITORAL 
        
        POR ALBERTO FONSECA MARQUES 
        
        
        PERCORRER 
        o Distrito de Aveiro é algo mais que conhecer um pouco da nossa Terra. 
        E, na verdade, ficar a conhecer profundamente as suas gentes e a 
        variedade dos seus costumes. E isto porque, em toda aquela região, povos 
        e costumes se manifestam de maneira absoluta, se «mostram» totalmente 
        num curioso misto de bairrismo e orgulho que, no entanto, se afirma da 
        forma mais simples e agradável. 
        
        De Norte a Sul, de Espinho à Mealhada, de 
        Este a Oeste, do Caramulo a Aveiro e Ílhavo, são sempre curiosos os 
        tipos humanos que se encontram, do lavrador ao marinheiro, do mineiro ao 
        pescador. 
        
        Admira, pois, que na variedade dos seus 
        costumes, na fácil adaptação das suas gentes, daqui partam, em busca da 
        realização dos seus sonhos, uma grande parte, quiçá a maior parte, do 
        emigrante português. 
        
        Isto seria, analisado superficialmente, 
        testemunho da mesquinhez da terra na oferta ao Homem daquilo que dela 
        precisa. 
        
        Puro engano! A terra tudo dá, fértil e rico 
        é 
        
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        o seu solo, desde o pão das suas searas ao licor das suas vinhas, do 
        minério das suas serras ao moliço da sua ria. 
        
        Mas, irrequietos, como irrequietos foram os 
        navegadores de Quinhentos, audazes, como audazes foram os cavaleiros da 
        fundação, este povo não pára nas suas aspirações: olha o mar e, na visão 
        do longínquo e desconhecido, parte na esperança de vencer e voltar. 
        
        
          
        
        Onde quer que moureje, nas grandes 
        metrópoles ou no interior do Brasil, nas quentes paragens da Venezuela 
        ou no desbravamento das terras de África, sempre a sua terra, dos 
        vinhedos aos campos de milho, das salinas aos alagados arrozais, 
        
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        fica presa à retina, que não esconde lágrimas de saudade. 
        
        
         Torrado do sol, calejado da charrua, de 
        longe olhando o mar, às ondas junta uma lágrima e ao vento um suspiro 
        para que a Natureza transporte à sua terra a homenagem dessa saudade. 
        
        Rico ou pobre, ele regressa e, ao pisar de 
        novo a terra que foi seu berço, tudo esquece para se oferecer como filho 
        ao carinho da sua mãe. 
        
        Aquele que um dia partiu, que cruzou oceanos 
        na busca de novas terras, no anseio de uma esperança e de coração 
        embalado pela fé, é tão grande herói como o que ficou presente à missão 
        de continuar a terra de seus avós. É o pescador de Torreira, o moliceiro 
        da Murtosa, o lavrador de Arouca e o vinhateiro da Bairrada, é a varina 
        de Ovar, a salineira de Aveiro e a simples mulher do campo de Águeda, é 
        o vidraceiro de Azeméis, o operário de S. João da Madeira e Vila da 
        Feira, o corticeiro de Lourosa e o bacalhoeiro das Gafanhas e Ílhavo, é, 
        enfim, gente rude e boa, hospitaleira e trabalhadora, que entoa um hino 
        de louvor à terra e ao mar, à serra e ao rio. 
        
        São gentes que partem e gentes que ficam. 
        
        Madrugada há pouco nascida e, a par do 
        arranjo das redes para a faina da pesca, o chiar monótono do carro de 
        bois a caminho do campo; a par do estender do bacalhau nas secas, o 
        arranjo do arado que irá sulcar a terra, a par do alto lenço que acena o 
        adeus aos que ultrapassam as primeiras ondas da praia, o que enxuga as 
        bagas de um suor que inunda o rosto do lavrador. 
        
        Soam as ave-marias convidando à meditação e, 
        aos céus, erguem-se as preces para o feliz regresso do pescador, 
        ouvem-se orações para que o «S. Miguel» seja frutuoso no campo. 
        
        A pouco e pouco, escondendo-se para além do 
        mar, o Sol despede-se do campo e sobre a terra vai surgindo o manto da 
        noite. 
        
        Então, certos de um dever cumprido, 
        regressam em ranchos à aldeia, confundindo-se os alegres cantares do 
        campo com o característico «vozear» do puxar das redes, o trinar das 
        aves com o trovejar 
        
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        das ondas, confunde-se a alegria dos presentes com a saudade dos que 
        partiram. 
        
        
          
        
        E quebrando a rotina do dia a dia sempre 
        igual e sempre diferente, a graciosidade das suas festas, tão 
        tipicamente aldeãs, o trabalho como motivo de alegria e descantes, quer 
        na «desfolhada» do loiro milho, quer na vindima de doirados cachos, quer 
        na «pisa» das lagaradas, fainas em que a alegria contaminante do povo se 
        alia à expressiva satisfação do cumprimento de um dever para com a terra 
        que nada promete e tudo lhes dá. 
        
        Assistindo à sumptuosidade das festas de La 
        Salete, em Oliveira de Azeméis, ou de S. Pedro, em Espinho, vivendo as 
        mais modestas, como a de Santo António, em Serém, ou a de São Paio, na 
        Torreira, contacta-se e reconhece-se a religiosidade de um povo que sabe 
        empunhar a Cruz e o arado. 
        
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        São assim as gentes de Aveiro e do seu 
        Distrito, que à trilogia Deus, Pátria e Família, sabem aliar, defender e 
        manter, uma outra trilogia que os liga: Raça, Terra e Mar – a Raça de um 
        povo que conquistou, desbravou, cristianizou e defendeu um Império, raça 
        de heróis e marinheiros, simbolizada na figura intrépida de João de 
        Aveiro; a Terra que desbravam e cultivam, essa Terra sempre generosa e 
        fértil a que os rios conferem uma seiva especial e uma beleza estranha; 
        o Mar, esse Mar que aceita a dura luta do Homem, na procura do seu 
        sustento, na consumação das esperanças do emigrante, na luta constante e 
        titânica do pescador e do marinheiro. 
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