PUBLICAÇÃO BIMESTRAL

 

Desta Revista e sua Reconversão

Após tantos anos sem falar e esquecida a um canto, no meio de velharias e raridades, eis que me vi subitamente em contacto com leitores e até reconvertida para um novo formato, que, ao contrário de mim e das minhas congéneres, nem sequer precisa de papel para poder comunicar. E, para cúmulo, quem me reconverteu para um novo formato teve a ousadia de me pedir para eu falar de mim.

Estive inicialmente para indeferir o convite que me foi feito, até porque eu nunca falei. Todavia, após uma frutuosa reflexão, cheguei à conclusão que não podia recusar o convite. E por que não? O que me levou a mudar de ideias?

Falar, falar, como a maior parte das pessoas faz, abrindo a boca e pondo as cordas vocais em vibração, isso eu nunca conseguiria fazer, porque não faz parte do meu sistema de comunicação. Mas falar não é só abrir a boca e produzir palavras. Se nunca falei produzindo palavras, a verdade é que há muitas formas de falar. E quando alguém lê o que em mim está escrito, o que é isto senão falar, que é como quem diz comunicar? Não se fala apenas com palavras orais; também se fala com palavras escritas. E, para ser sincera e sem querer ser vaidosa, tenho de confessar que até consigo falar com muito mais correcção do que muitas pessoas da segunda década do segundo milénio. E ainda consigo transmitir conhecimentos com interesse, muitos deles desconhecidos de uma grande parte da população do País, onde os meus progenitores tudo fizeram para que eu pudesse ver a luz do dia.

Comecemos, então, uma vez que aceitei o desafio, por me apresentar.

O meu nome é «Revista Turismo». Não apresento a data de publicação, mas é fácil de deduzir. Se me analisarem atentamente, chegarão à conclusão que terei nascido em 1962, após uma gestação mental dos meus progenitores durante vários meses, gestação esta que terá começado lá para os finais de 1961.

Eis aqui as minhas características físicas, para preenchimento do meu Bilhete de Identidade, designação utilizada na minha época para aquilo que hoje as pessoas conhecem por Cartão de Cidadão. Tenho rigorosamente as mesmas dimensões que hoje são utilizadas nas chamadas folhas de formato A4, ou seja, cerca de 300 milímetros de altura por 215 milímetros de largura; e um total de 116 páginas, em numeração árabe, mais um total de 36 páginas em numeração romana, o que dá um total de 152 páginas. Estruturalmente, encontro-me formada por diferentes secções: a primeira, em numeração árabe, além da publicidade que ajudou a que eu pudesse ser criada, apresenta o meu Sumário e Ficha Técnica, isto na página VIII; depois vem o bloco principal, com 114 páginas de informação importante acerca do Distrito de Aveiro, nos meados do século XX, no meio de abundante publicidade que diz essencialmente respeito às várias localidades de interesse para os turistas das quais apresento importantes elementos; duas páginas não numeradas, de cor verde clarinho, com «Informações de Interesse Turístico»; finalmente, novamente em numeração romana, num total de XXVIII páginas, uma espécie de lista de páginas não amarelas, mas de cor rosa claro, onde o leitor pode saber onde encontrar «Estações de Serviço», para o caso de se deslocar de automóvel, «Casas Bancárias e de Câmbio», Hotéis, Pensões e Pousadas, com os respectivos números telefónicos, etc.

Além dos meus progenitores principais, ou seja, além daqueles que estiveram na origem da minha publicação, tive a sorte de conhecer um razoável número de autores literários e artísticos, alguns dos quais bem conhecidos na época, com artigos publicados em revistas importantes da primeira metade do século XX, e artistas gráficos de renome, entre os quais um destacado pintor e desenhador natural da Figueira da Foz, conhecido por Zé Penicheiro.

Se estiverem interessados em saber mais algumas coisas a meu respeito, consultem a Ficha Técnica.

Agora, efectuados os registos fundamentais para o meu Bilhete de Identidade, talvez seja importante falar um pouco acerca do milagre que foi ou é o da minha existência. Se não acreditam em milagres, leiam o que vos vou dizer; e, no final, reflictam e digam se não foi um verdadeiro milagre o que aconteceu comigo.

Quando eu vi a luz do dia, ou seja, quando saí da tipografia, não fui exemplar único. Além de mim, saíram do prelo umas largas centenas rigorosamente iguais a mim, que foram espalhadas pelos quatro cantos do planeta onde se fala a língua portuguesa. Além de Portugal Continental, a “Revista Turismo” foi vendida nas então designadas províncias ultramarinas, ou seja, em Angola e Moçambique, e noutros continentes onde se falava e ainda fala a língua portuguesa.

Dessas largas centenas, o que é feito delas? Seguramente que nem 99,9 por cento hoje existe. Ao contrário de mim, quase todas foram parar à lixeira ou, na melhor das hipóteses, ao farrapeiro, onde terão sido vendidas a peso e rendido alguns tostões. Sim, que naquele tempo as pessoas eram muito mais ecológicas que as actuais. Tudo era aproveitado e reutilizado. Os aparelhos eléctricos, se avariavam, não eram deitados fora e substituídos por outros. Eram reparados e duravam mais alguns anos. As vasilhas para líquidos eram de vidro. As garrafas eram devolvidas. As pessoas recuperavam a tara. E o vasilhame era devidamente lavado e voltava a servir. E o planeta não era inundado com plásticos e aparelhos que se amontoam, criando verdadeiras montanhas de lixo tecnológico e não tecnológico.

Mas não falemos de coisas deploráveis e voltemos ao problema de que importa agora falar: provar-vos que a minha existência é um verdadeiro milagre.

Quando saí da tipografia, eu fiz parte de um lote que teve a sorte de ir parar a Aveiro. E o conteúdo desse lote foi distribuído pelas diversas livrarias que então existiam na cidade, cujos nomes não posso indicar, porque, para meu azar, nem sequer figuram na publicidade que ajudou a financiar a minha publicação. Mas creio que a pessoa que me adquiriu, então residente na zona da Vera Cruz, em Aveiro, me descobriu exposta numa casa próximo do local onde ele vivia, na então designada «Casa dos Jornais», por baixo dos Arcos e em pleno centro da cidade. E gostou tanto de mim, como de outros exemplares da “Revista Turismo”, que se deu ao trabalho de os encadernar, para melhor desafiarem os tempos. Infelizmente, não foi o meu caso, que sou um exemplar único. Eu fui um exemplar de tal modo apreciado, até pelos descendentes de quem me adquiriu, que um deles, um jovem interessado pela cultura da região e com dotes artísticos na área do desenho, me tornou num exemplar único entre todos. Que fez o neto do meu primeiro leitor para me tornar único, a ponto de quem me reconverteu para um novo formato se ter recusado a apagar esse elemento que me tornou ímpar, diferente, num universo quase extinto de revistas turísticas de 1962?

Se queres descobrir esse elemento, leitor que agora me lês, consulta a página da capa, devidamente restaurada e quase como nova, e observa a parte inferior, na zona mais escura das águas da Ria de Aveiro. Já descobriste o que lá foi colocado pelo jovem leitor que me redescobriu e teve a feliz ideia de me partilhar pela comunidade aveirense e não só?

Na parte superior da capa, o desenhador do «peixinho» colocou, em letras maiúsculas, o nome: RUI. Mas quem me restaurou a capa e recuperou as zonas que tinham perdido a tinta, ou recuperou a parte em que o papel tinha desaparecido, comido pela voragem do tempo, apagou o nome do meu amigo e salvador. Mas recusou-se a apagar o «peixinho». Sem dar por isso, este «peixinho» tornou-me um exemplar único entre os raros exemplares que, em algum lugar, talvez ainda subsistam desta revista.

Já falei bastante a meu respeito. É tempo de parar e mudar de assunto. Talvez seja agora a altura de falar um pouco acerca daquilo que foi feito com a minha reconversão para um novo formato.

Em que é que me tornei diferente da versão impressa? Será que sofri alguma melhoria em relação ao meu formato original?

Para já, amigo leitor, se quiseres saber como eu era no formato original, isto é, em papel, poderás consultar a versão em PDF. Nela podes até descobrir quais eram as casas comerciais que existiam nas diferentes localidades do Distrito de Aveiro, porque o meu amigo «RUI» Teixeira teve o cuidado de fornecer ao amigo Henrique de Oliveira uma versão completa dos meus conteúdos.

Mas se quiseres rever como eu era e até folhear as minhas páginas informativas, aconselho-te a utilizar a versão interactiva. Irás ver que o meu reconvertor fez um verdadeiro milagre. As minhas páginas estão rigorosamente iguais, mas muito mais fáceis de ler. E o que me foi surpreendendo mais, à medida que as páginas eram recuperadas, é que as minhas ilustrações foram, aos poucos, ganhando uma nova qualidade, o que me demonstrou que, apesar dos tempos modernos apresentarem muitos aspectos negativos, apesar de tudo nem tudo é mau. As novas tecnologias conseguem verdadeiros milagres, que me deixaram verdadeiramente pasmada.

Não sei se sabes como é que, no século passado, as fotografias eram reproduzidas nos livros e nas páginas dos jornais. As imagens fotográficas tinham de ser passadas para um formato a que se dava (e continua a dar) o nome de zincogravura. Os sistemas de impressão nada tinham a ver com o que actualmente se faz. Uma página, para ser impressa, dava aos tipógrafos uma verdadeira trabalheira. As linhas eram compostas caracter a caracter, em chumbo, para formarem as colunas de texto, e estas as páginas. E as fotografias tinham de ser reconvertidas para um suporte em metal, reproduzindo-se os conteúdos das gravuras com pontinhos, que conseguirás ver se prestares atenção às miniaturas das imagens inseridas nas páginas em formato HTML. Observa atentamente uma imagem em miniatura. Consegues ver os pontos que existiam na zincogravura? Em algumas não conseguirás, porque as miniaturas foram melhoradas. Mas houve algumas em que foi mantido o original, sem qualquer retoque. Experimenta clicar sobre uma miniatura, independentemente de ela ter sido ou não retocada. Poderás ver a mesma gravura numa dimensão maior e, graças às modernas tecnologias gráficas, sem os pontos e com as imagens tal como se tivessem sido obtidas a partir das fotografias originais. Claro que o resultado seria ainda melhor, se ocorresse o milagre dos originais ainda existirem e fossem emprestados. Mas, como dizia um sábio professor da universidade que o meu reconvertor teve a sorte de ter tido como mestre, quando passou pelos bancos da Universidade: o óptimo é inimigo do bom.

E é chegada a hora de me despedir de ti, caro leitor, esperando que as minhas palavras, que inspirei a quem me recuperou, não te tenham saturado com tanta leitura.

Despeço-me com amizade, fazendo votos que a consulta da “Revista Turismo” te seja uma fonte de conhecimento e de prazer.

Aveiro, 31 de Agosto de 2022

Henrique José Coelho de Oliveira
 

 

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Acesso a «Aveiro e Cultura»

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31-08-2022