Tem justa fama o Museu
Nacional de Aveiro, conhecido e admirado por artistas portugueses e
estrangeiros, mas infelizmente pouco conhecido, ainda, de muitos
portugueses que se supõem cultos e viajados, e que, por snobismo, citam
as tantas coisas famosas que viram nos museus de Roma, Paris e Berlim,
ignorando algumas maravilhas que se encontram no País.
Precisamente neste Museu Nacional de Aveiro se
encontram algumas dessas maravilhas, começando logo pela preciosa talha
dourada do antigo Convento de Jesus, onde está instalado o museu, antiga
casa religiosa fundada no século XV, a que andam ligados os nomes dos
reis Afonso V e D. João II.
As suas ricas colecções de paramentos e outros
objectos artísticos de culto religioso contêm raras peças de finíssima
tecelagem, jóias das mais belas do país. E todos os críticos de arte
encarecem, como obra-prima de pintura, o retrato que ali existe da
princesa Santa Joana, filha do Rei Afonso V, e consideram exemplar
único, no mundo, dos mais belos em arte tumular, o túmulo, em mármore,
da mesma princesa, que também existe no museu.
Dum trabalho publicado pelo Sr. Dr. Alberto Souto,
ilustre crítico de arte, sem dúvida uma das pessoas que melhor conhecem
o Museu Nacional de Aveiro, transcrevemos a seguinte e autorizada
opinião:
«É um dos museus mais importantes do país, e
constitui, com o museu de Grão-Vasco, de Viseu, e Machado de Castro, de
Coimbra, um triângulo artístico de percurso obrigatório no grande
turismo da província das Beiras.
As suas vastas colecções são notabilíssimas,
especialmente a de paramentos religiosos e tecidos, sendo único no mundo
o túmulo de mármores embutidos da Princesa Infanta Santa Joana, filha do
Rei Africano e irmã do grande D. João II.
Pode considerar-se o seu retrato uma das jóias do
património artístico nacional e uma das tábuas de mais valor dos
primitivos europeus e, sem receio de confrontos, a riquíssima e
finíssima talha dourada da sua formosa e famosa igreja.»
De facto, quem passar por este museu colhe uma
impressão de deslumbramento. Mas não são apenas os motivos de arte que
aí impressionam; também o local e os retratos e túmulo da Princesa
constituem comunicativa evocação de uma época das mais curiosas e
agitadas da História de Portugal, em que se desenrolaram episódios
dramáticos que ainda apaixonam os historiadores, e até acontecimentos da
mais alta importância política na vida peninsular.
É que essa Princesa Santa Joana, que largo tempo
viveu sob as abóbadas desse convento de Jesus, e ali morreu, foi regente
do reino enquanto seu pai, D. Afonso V, e seu irmão, mais tarde o Rei D.
João lI, foram combater em Arzila.
Logo ao nascer, como filha mais velha, fora jurada
herdeira do trono, e rainha
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sido – em vez de D. Manuel – se não tivesse morrido antes do Príncipe
Perfeito D. João II.
Muito
cedo, logo aos dezoito anos, manifestou a sua tendência para a clausura
e, apesar de todas as razões do Estado e as instâncias da Corte, não se
deixou fascinar por esta, nem envaidecer por diversos consórcios com
príncipes ilustres que lhe foram propostos, passando a maior parte da
sua vida nesse Convento de Aveiro, embora sem ter professado, porque os
próprios prelados a tal se opunham, obedecendo à vontade de seu irmão o
rei D. João lI, que muito lhe queria, não a desejando ver freira mas sim
princesa para servir a Nação.
Embora sem fazer a vontade ao rei seu irmão, tanto
este a estimava que lhe confiou a criação e educação de seu filho
bastardo, D. Jorge, que com ela viveu nesse convento.
Foi a época famosa das conspirações dos fidalgos e
dos bispos; da execução do Duque de Bragança e do assassínio do Duque de
Viseu; da outra princesa Joana, a «Beltraneja», segunda mulher de Afonso
V e pretendente ao trono da grande Isabel, a Católica. E é de crer como
o sussurro de todos estes acontecimentos, intrigas e lutas sangrentas
chegavam ao Convento de Jesus.
Tais são as páginas de história que se recordam ao
entrarmos neste Museu de Aveiro.
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