Carlos Alberto Ventura Magalhães
Não sendo um dos que já passou pela Gestão, mas antes um
dos que ainda está na Gestão, solicitei para falar já por dois motivos:
o primeiro, porque tenho que regressar à Escola; e o segundo, para
aproveitar para falar a seguir ao Professor Sá Chaves, um dos meus
antecessores na Gestão da minha Escola.
Cheguei ao Conselho Directivo da Escola João Afonso no
ano lectivo de 85/86, após dois anos de profissionalização na mesma
Escola e tendo como um dos Orientadores o Professor Sá Chaves,
ex-Presidente do Conselho Directivo.
Entrei na Gestão com 28 anos de idade, sem ter grande
percepção daquilo que me estava a acontecer, sem qualquer formação nesta
área, mas com duas certezas – em primeiro lugar a certeza de que, casado
e com filhos, era extremamente complicado ir efectivar longe de Aveiro e
em segundo, a certeza de que o trabalho não me assustava.
Foi assim que e por estes motivos que entrei num Conselho
Directivos.
Comecei pelos lugares mais baixos da hierarquia – 2.º
Vogal, 1.º Vogal, Secretário, até que um dia – ano lectivo de 1987/1988
– assumi a Presidência.
Convidado pela colega Catarina Franco, eleita em Reunião
Geral, as tais célebres Reuniões Gerais que se realizavam para escolher
três nomes para indicar à DREC, após o que esta escolhia um – por vezes
não o mais votado – fiz parte de uma primeira equipa constituída, para
além da Presidente e por mim, pela Emília Melo, Muralina Matias, Padre
Pinho e Cecília Alves – equipa esta que ainda hoje recordo com alguma
saudade e carinho.
No final desse ano, a Escola voltou a escolher a Catarina
Franco e a equipa manteve-se com a excepção do Padre Pinho, que se
aposentou, sendo substituído pela colega Helena Tavares.
No final desse ano e após a votação dos três nomes, o
colega António Redondo, nomeado pela DREC, convidou-me para Secretário
e, por inerência substituir o Padre Pinho, uma das figuras tutelares da
Escola (depois do 25 de Abril e até à sua aposentação sempre
desempenhou, de modo muito próprio, a função / 20 / de Secretário e
responsável pelo antigo ASE, hoje SASE). A título meramente
exemplificativo do seu modo muito próprio de gerir o Refeitório e a
Papelaria recordo que, por vezes, muito dos materiais e géneros
alimentares eram guardados no Seminário de Aveiro.
Dele recordo, para além de muitas outras coisas boas,
aquelas Segundas-Feiras livres – dia sagrado de não ir à Escola – pois
era nesses dias que me convidava para ir almoçar e para me falar da
Escola e dos seus meandros. Muito do que ainda sou e sei sobre Gestão da
Escola João Afonso – sim, porque cada Escola tem a sua Gestão – a ele
lhe devo. Aqui lhe presto o meu singelo agradecimento.
Rompendo com uma das tradições da Escola – nunca aparecer
uma Lista para o Conselho Directivo – e depois de falar com várias
pessoas, apresentei uma Lista. Estava-se então no ano de 1987/1988 e
esta equipa permaneceu durante seis anos lectivos.
Ano após ano, as equipas foram-se reformulando – às
saídas de uns foram chegando outros, igualmente sem grande experiência –
até aos dias de hoje, apesar da designação do órgão de gestão se ter
alterado nos últimos tempos (de Conselho Directivo, passou a Comissão
Executiva Instaladora e, hoje, Conselho Executivo).
Como referi no início, entrei para a Gestão sem saber bem
onde me estava a meter, sem noções de gestão administrativa –
financeira. Fui-me auto-formando acima de tudo na busca do bom senso e
da não radicalização – independentemente das rupturas que foram
surgindo, próprias de outros olhares e outros sentires que, entretanto,
fui adquirindo.
Nunca é demais referir que, da parte do nosso "patrão",
da administração enquanto tal, nunca fui chamado e/ou convocado para
qualquer acção de formação nesta área. Pelo contrário, quando era ou
éramos interpelados pela Inspecção – sou do tempo em que a Inspecção
tinha rosto, cada Escola tinha um Inspector determinado – era sempre no
sentido de que tínhamos obrigação de saber o que estávamos a fazer, de
conhecer todos os suportes legais da nossa actuação, etc., etc.
No decorrer do intervalo, o Professor Sá Chaves – outra
figura de destaque da Escola João Afonso – lembrava que a questão dos
duodécimos na sua altura era
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extremamente difícil devido aos valores da inflação, a qual, pelos
valores da época, não permitia qualquer tipo de gestão orçamental anual.
Por exemplo, os valores da luz, dos telefones e da água em Dezembro eram
substancialmente superiores aos de Janeiro/Fevereiro do mesmo ano.
Ao falar do Professor Sá Chaves, não posso deixar de
referir alguns dos constrangimentos que passei. Ou por ser demasiado
novo, ou por se tratar de uma Escola com uma história e um passado, o
certo é que quando tentava modificar algo, logo surgiam vozes dizendo
"atenção, não se pode mexer, porque foi o Professor Sá Chaves que fez
assim". É engraçado, hoje, recordar essa fase, mas o certo é que, de
alguma forma, ainda ressaltam, neste momento, algumas formas e esquemas
organizacionais fruto da era Sá Chaves. A ele também a minha homenagem
pela forma como, também ele, sem qualquer formação dada pelo "patrão"
conseguir edificar e em bases democráticas, a organização Escola João
Afonso de Aveiro.
Como é evidente, ao longo destes anos tenho apanhado
várias situações novas, publicação de legislação a ritmos alucinantes –
haverá alguém que a conheça toda? – Reformas incompletas, reformas de
reformas e, sobretudo muita vontade de esquecer o anterior e começar
tudo de novo. Não me lembro de solicitarem às Escolas a opinião ou a
avaliação sobre esta ou aquela iniciativa, sobre este ou aquele modelo
de estágio, sobre a conveniência de se construir esta ou aquela Escola
no Concelho de Aveiro, etc.
Costumo dizer que nunca tive um ano calmo. Quando julgo
que, no próximo ano, isto ou aquilo se vai fazer com os olhos fechados,
eis que surge mais um Despacho, mais uma nuance que leva a que tenha de
se reformular as estratégias e as metodologias.
Enfim, e indo ao que nos foi solicitado – cruzar um pouco
da nossa história com a história dos Conselhos Directivos versus
Gestão Democrática – não quero deixar de registar e de salientar dois
aspectos, a saber:
– O modelo de gestão agora revogado e denominado na gíria
académica como gestão democrática foi o garante de todo o sistema de
ensino não superior nos últimos vinte e cinco anos. A ele se deve a não
ruptura do sistema educativo;
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– Qualquer que seja o modelo de gestão, tem e deve
imperar muito bom senso na gestão dos recursos humanos e no primado das
relações humanas. Sem este estar, sem estes cuidados surgem problemas,
situações complicadas que, com o tempo, são difíceis de contornar e
muitas vezes difíceis de qualquer explicação mais racional.
Ao longo destes anos, dado tratar-se de uma Escola grande
– somos, actualmente cento e trinta Professores e já fomos mais de cento
e cinquenta – e pelas funções que tenho desempenhado e fruto das
decisões que tenho tomado, se tem havido Professores que se afastam um
pouco de mim em determinado momento, outros haverá que, passado algum
tempo de afastamento se reaproximam. É nesta maré que tenho vivido ao
longo dos anos e cujo balanço não é negativo. É destas marés que tem
sido constituída a preia-mar da minha vida profissional.
Por vezes fui tentado a misturar relações de trabalho com
relações de amizade.
Asneira. Nunca é demais relembrar aquela expressão
"trabalho é trabalho, amizade é amizade", uma vez que se enquadra
perfeitamente na nossa actividade. Se se facilita, se há um fechar de
olhos, se não houver princípios em que nos ancoremos, rapidamente somos
apanhados na volta e as nossas incoerências sobressaiem e as acusações
surgem – aqueles fazem, nós não, aqueles são obrigados a reunir, nós
não, etc. Se na teoria esta questão parece fácil e de menor importância,
a prática diz-me que não é bem assim e que é um dos aspectos importantes
na gestão de uma Escola.
Outra questão que considero importante e de muito difícil
gestão é a questão do Pessoal Auxiliar. Quem não conhece as tricas entre
eles? Não nos é difícil exercer a autoridade sobre este sector – sou eu
que mando, isto faz-se assim – mas ao fim de uma, duas semanas, um mês,
a nossa vigilância abranda e, tudo volta ao mesmo, ou parecido. Para
mim, tem sido extremamente difícil gerir este sector. Homenagem seja
feita aos Funcionários mais antigos, que apesar de possuírem menores
habilitações literárias, são aqueles que, quando é necessário, trabalham
para além da hora e desempenham funções muito para além daquelas que lhe
estão determinadas.
Coisas boas e coisas más do dia-a-dia da Escola? É
evidente que já passei por
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muita situação, já engoli alguns sapos. Com razão ou sem ela, alguns
colegas, sentindo-se de alguma forma marginalizados e/ou prejudicados,
respingam emotivamente e na hora e aquilo que por vezes é insignificante
ou de menor valia toma proporções que só a emotividade e o empenho
conhecem.
À questão que por vezes me colocam – após estes anos
ainda não estás farto? – tenho respondido: continuo a acreditar naquilo
que faço, gosto do que faço e todas as horas que dou a mais não me têm
pesado. Não tenho dúvidas que em termos familiares algo tem ficado para
trás. Se sou o que sou, se faço o que faço, devo-o à minha família a
qual tem ultrapassado, por vezes nem sempre muito bem, a situação.
Costumo dizer algumas vezes que "para cuidar dos filhos dos outros,
tenho deixado os meus pendurados às portas das Escolas".
Relativamente às Associações de Pais, continuo a apostar
que é um parceiro essencial na gestão das Escolas. Não é verdade que
quanto mais os pais estiverem implicados, menos reclamam do serviço que
a Escola presta? Há todo o interesse em que os pais estejam, lado a
lado, com a escola. Conseguir isto é extremamente difícil. Neste aspecto
a minha Escola tem gozado de alguns privilégios – tem tido alguns pais
colocados em alguns sectores que têm ajudado a abrir algumas portas.
Mas, de facto, ano após ano, a mobilização dos pais vai tornando-se mais
difícil. Recordo que a vez em que mais pais participaram foi quando a
Associação de Pais organizou um jantar. E recordo porque, no dia
seguinte, andámos a recolher pratos nos jardins – não havendo mais
lugares sentados, alguns vieram para o exterior.
Actualmente, trabalhando o pai e a mãe, a organização
familiar problematizou-se bastante e o tempo para dedicar à Escola cada
vez é menos. Mas é nossa função, pelo menos em minha opinião, fomentar a
participação dos pais.
Como disse, aspectos negativos tenho tido alguns, não sei
se são muitos, se são poucos. Um dia terei que fazer esse balanço mas,
passados todos estes anos, continuo a gostar daquilo que faço. Lamento
ainda que o Ministério da Educação não proporcione encontros informais,
tal como o de hoje, para se falar um pouco das nossas vidas
profissionais e das dinâmicas de gestão implementadas.
Muito rapidamente lembro-me dos encontros periódicos –
normalmente mensais – e
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informais entre Conselhos Directivos, marcados por nós mesmos.
Colocávamos as nossas dúvidas uns aos outros, desmontávamos pensamentos
e decisões e, já que estávamos juntos, merendávamos. Patrocinei ainda
esta prática, mas a pouco e pouco e com a entrada de gente nova para
estes Órgãos foi-se perdendo esta prática. De momento, lembro-me da
Lídia da Secundária N.º 1 e do Arsélio com quem vou trocando ideias.
Surge mais tarde, em 1992/93, o nosso Centro de Formação e retomou-se um
pouco essa prática, embora com outra dinâmica e com muito mais
formalismo.
Para terminar gostaria que, no Concelho de Aveiro, e não
só por tudo aquilo que está para trás mas, sobretudo, por aquilo que o
futuro deixa adivinhar, as nossas Escolas estivessem mais unidas para,
junto do poder autárquico e político reivindicarmos aquilo que, a quem
está no terreno, quem tem que encontrar soluções para os problemas da
rede escolar e outros, consideramos justo e adequado para o ensino nesta
Região. Cada vez mais, é imperioso um trabalho deste tipo.
Eu, tal como alguns dos presentes, não trouxe nenhum
depoimento escrito. Falei um pouco ao correr do sentimento, mas,
oportunamente, farei chegar alguns documentos sobre a história destes
quinze anos.
Obrigado a todos.
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